Esquecidos pela família após o parto ou vítimas de negligência e maus tratos, são várias as crianças que aguardam por um projecto de vida no serviço de pediatria do Hospital Central do Funchal. O prazo médio de espera é de três meses, mas, às vezes, os procedimentos legais alargam a estada. Conforme a decisão judicial, seguem para a adopção, para instituições de apoio ou regressam à família.
Quando partem, reconhece Amélia Cavaco, "deixam vazios" na equipa que tem por missão acompanhar as crianças em risco que chegam ao Hospital. Os serviços sabem quantos estão nestas circunstâncias, à espera de um caminho, mas nem a chefe do serviço de Pediatria, nem a assistente social de ligação ao Tribunal de Menores avançam os números. Regina Sampaio ainda adianta que houve uma diminuição, só não diz de quanto.
Por detrás do sigilo clínico, estão as crianças que uma equipa de nove pessoas (pediatras, pedopsqiquiatras, educadores de infância, enfermeiros e assistentes sociais) tenta substituir o afecto e a dedicação da mãe, do pai, da família que falta. Além de alimentar e garantir que crescem de forma saudável, é esta a equipa que assegura o envolvimento emocional. "A situação destas crianças é sempre transitória. Estão aqui enquanto não se encontra um projecto de vida, enquanto não existem condições para que possam partir em segurança". Na ausência da família e no meio tempo em que são filhos do Hospital, é no serviço que Amélia Cavaco dirige, a Pediatria, que entram em contacto com o Mundo. "Isto no caso dos bebés, nos que continuam no Hospital após o nascimento, pois as crianças em risco também entram pela consulta externa e pelas Urgências".
Mais velhos, estes são as vítimas da negligência ou dos maus tratos. "Aparecem casos de total abandono, crianças subnutridas e pouco desenvolvidas. Alguns com deficiências na linguagem por falta de estimulação, porque foram totalmente abandonados". Atrasos que, com o acompanhamento adequado, são corrigidos". As sequelas, muitas vezes, não deixam marcas no corpo, traumatizam e abrem feridas na personalidade.
Vencer as dores da violência física nunca é fácil e, muitas destas crianças, têm histórias pesadas, de agressão continuada e repetida. Os médicos suspeitam pelos hematomas e fracturas com que chegam às Urgências, as radiografias relevam, com frequência, que não foi a primeira vez, há ossos partidos que se consolidaram por si. "Aqui", explica Regina Sampaio, a assistente social de ligação ao Tribunal de Menores, "chegam os casos mais duros, as histórias mais pesadas".
Associada à violência, ao abandono e ao desinteresse pelos filhos, (crianças ou bebés recém-nascidos) está miséria, pais de meios sem referência, sem informação, pessoas sem escolaridade onde os padrões se repetem há gerações. "A negligência e os maus tratos das classes média e média alta não chegam ao Hospital, ficam para as clínicas e consultórios privados".
Os casos crónicos
Os filhos temporários do Hospital são, em maioria, de classes desfavorecidas e famílias com problemas de droga e alcoolismo. "Muitos dizem que a assistente social lhes vai tirar os filhos, de quem gostam, que acham que são sua propriedade. A maioria, no entanto, não está disposta a mudar de vida, a fazer sacrifícios para ter, na vida, uma segunda oportunidade". Um filho exige atenção, mas, no mesmo instante que dizem amar muito, as mães e os pais regressam à comunidade e esquecem as crianças.
Deixam passar os prazos legais, não visitam as crianças no Hospital e, quando dão por si, perderam o filho para a adopção. "Nós temos casos de mulheres que já tiveram cinco ou seis filhos, que os perderam todos porque não são responsáveis e, mesmo assim, não aceitam a sugestão de laquear as trompas". Em idade fértil, o mais certo é que regressem grávidas, com mais um bebé para deixar no Hospital.
Contra os que lamentam a lentidão dos processos, Regina Sampaio lembra que há uma lei a cumprir, prazos e formalidades que não podem ser esquecidos. "Tenho aqui um caso de uma rapariga de 19 anos, sem instrução alguma, que está em risco de perder o filho. Tem problemas de toxicodependência e está pouco disponível para mudar, mas mesmo assim tem direitos como mãe, não se pode ignorá-los".
Mães que deixaram os bebés no hospital.
Os filhos nasceram e, após o parto, as mães decidiram entregá-los para adopção. Nos últimos três anos, esta história repetiu-se por três vezes no Hospital Central do Funchal. "Eu entendo esta opção como um acto de amor", explica Regina Sampaio, assistente social que acompanha as crianças em risco que dão entrada nos serviços do Hospital.
"Estas mulheres sentiam que não tinham as condições económicas e emocionais para cuidar e educar os filhos. E, mesmo depois de termos dito que as consequências eram irreversíveis, mantiveram a decisão, as crianças foram encaminhadas para adopção". Embora a falta de dinheiro e os meios sociais desestruturados sejam mais propícios ao desinteresse e abandono dos bebés, a assistente social sublinha que, nestes três casos, não pesaram apenas as questões materiais.
Há casos, refere Regina Sampaio, onde é determinante na opção da mulher o facto de a criança não ter nascido dentro do relacionamento considerado como o mais adequado pela mãe. "Certas de que o bebé ficará melhor, preferem dá-lo para adopção.