A propósito vou abordar aquilo a que vulgarmente se designa por direito de visita dos avós aos netos.
Afirma Edgard de Moura Bittencourt, com sabedoria e muita sensibilidade humana:“A afeição dos avós pelos netos é a ultima etapa das paixões puras do homem. É a maior delícia de viver a velhice” (Edgard de Moura Bittencourt, Guarda de Filhos, LEUD, SP, 1981, 2ªed, págs. 123 a 124).
Ao dito popular, ser avô corresponde a “ser pai duas vezes”, comentou com maestria Roberto Damatta, em deliciosa crônica na imprensa paulista, “ser avô é ser pai com açúcar”, pois resulta “da vivência desse espaço que faz dos laços entre netos e avoengos algo terno e amistoso. Observa o articulista que “nenhum brasileiro precisa ler Freud e, especialmente, Lacan para saber que o ‘nome do pai’ sinaliza a autoridade civil, política e jurídica”, ao passo que a relação da criança com seus avós se exercita muito mais por prazer da amizade que os une. Finaliza suas considerações em tom filosófico, observando que ancestralidade “é uma terra situada num limite” e, para ser fértil, necessita de humildade e confiança, pois “a honra e o amor são os maiores presentes que podemos dar aos nossos descendentes” (Ave, avô, artigo em O Estado de São Paulo, 10.01.2002, Caderno 2, D12).
Esta visão intimista do relacionamento familiar serve de pano de fundo à questão do direito de visita dos avós.
Na legislação comparada, cumpre anotar que o Código Civil Francês (99ª. ed., Dalloz, 2000, Paris, França) contempla expressamente a extensão do direito de visitas aos avós, conforme se lê do artigo 371-4 :
«O pai e a mâe não podem, salvo motivos graves, opor obstáculos às relações pessoais entre o menor e seus avós. Na falta de acordo entre as partes, essas relações serão regulamentadas pelo juiz de família .
Em caso de situações excepcionais, o juiz de família pode estabelecer um direito de correspondência ou de visita a outras pessoas, parentes ou não.»
Verifica-se o notável alcance desse dispositivo, que se aplica também à visita do menor por outras pessoas de seu círculo familiar ou mesmo que não sejam parentes, sempre de acordo com as investigações procedidas pelo Juiz de Família, que, por outro lado, pode limitar os contatos ou mesmo circunscrevê-los ao direito de correspondência.
Em Portugal antes da Lei nº 84/95 de 31 de Agosto, entendia-se que o direito de visita, apenas se verificava relativamente aos progenitores e não já aos "avós" e "irmãos". A Lei nº 84/95, introduziu no nosso ordenamento o artigo 1887º-A, com a seguinte redação:
«Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes.»
Como refere Maria Clara Sottomayor (Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 4º ed., pág. 119 "O menor passou a ser titular de um direito autónomo ao relacionamento com os avós e com os irmãos, que podemos designar por direito de visita. Esta norma, para além de significar um direito do menor ao convívio com os avós e irmãos também significa um direito destes ao convívio com o menor. A lei pretende tutelar a expressão de amor e de afecto entre os membros da familia, a importância da ligação afectiva e do auxílio mútuo entre as "gerações".
A mesma ideia (de que no artigo 1887º-A do C.C.) se consagrou um direito de visita) é perfilhada no Acórdão do STJ, de 3 de Março de 1998 (CJ, I, 119) em que se refere: "O artigo 1887º-A do C.C. aditado pela Lei nº 84/95, de 31-10 consagrou não só o direito do menor ao convívio com os avós, como reconheceu, também um direito destes ao convívio com o neto, que poderá designar-se por direito de visita. Em caso de conflito entre os pais e os avós do menor, o interesse deste últimoserá decisivo para que seja concedido ou denegado o direito de visita".
Há assim que concluir pela existência de um verdadeiro "direito de visita" por parte dos avós e irmãos (do menor), direito este que terá porém, uma menor amplitude que o do progenitor não guardião.
Como se refere na obra citada (pág. 130) "a decisão judicial resulta de uma ponderação de factores (a vontade do menor; afecto entre a criança e os avós ou entre a criança e os irmãos; qualidade e duração da relação anteriormente existente entre estes; assistência prestada pelos avós ou pelos irmãos à educação do menor; beneficios para o desenvolvimento da personalidade do menor e para a sua saúde e formação moral resultantes da relação com os irmãos e com os avós; efeitos psíquicos e físicos na corte de relações com os irmãos e com avós ou com irmãos) em que se tem em conta simultaneamente o direito da criança de se relacionar com os avós e irmãos, o interesse dos avós os dos irmãos em se relacionarem com o menor o interesse dos pais (ou do progenitor que tem a guarda do filho) na unidade de educação dos filhos".
Acresce a que todos, incluindo os menores, é reconhecido o direito constitucional ao desenvolvimento da personalidade- artigo 26º, nº 1 da CRP. Como titulares desse direito, os menores podem relacionar-se e conviver com quem entenderem, nomeadamente com os irmãos e ascendentes. Os pais, na sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação (artigo 68º, nº 1 da CRP), só poderão privar os filhos daquele relacionamento e convívio havendo motivo justificado- citado artigo 26º, nº 1 da CRP e 1887º-A do Código Civil.
O menor pode, pois, escolher livremente as pessoas com quem quiser conviver, sejam ou não familiares seus, e os pais não podem injustificadamente opor-se a essa escolha.
Por fim, importa ainda fazer referência às seguintes decisões judiciais que apreciaram a questão do direito de visita por parte dos avós:
-Acórdão do STJ, de 3 de Março de 1998, CJ, STJ/I, pág. 119.
-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 7-01-1999, CJ, I, 180.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-02-2004, proc. nº 7958/2003-1, que se encontra publicado no site da DGSI com o seguinte endereço: www.dgsi.pt.
-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8-07-2004, proc. nº 6143/2004-6 que se encontra publicado no site da DGSI com o seguinte endereço: www.dgsi.pt.
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