sábado, maio 20, 2006

Vidas em bando


Viagem ao mundo da deliquência juvenil em bairros de Lisboa e Porto.







Porto, 22 horas. Um beco escuro, igual a tantos outros, na típica e turística Ribeira do Porto. Nuno, 19 anos, abre o livro. «Roubamos carros, roubamos telemóveis, roubamos carteiras, batemos em quem não gostamos, passamos umas 'cenas'». Explícito. Há gangues no Porto? «Claro. Nós e muitos outros», esclarece com orgulho. Olha à volta, encosta-se ao granito frio da Ribeira, enrola um charro, ajeita o boné. «Ninguém gosta de nós. Há alguém que goste dos putos da Ribeira?» O estigma cola-se à pele.

Hugo, 17 anos, olha para o chão. Abandonou a escola há alguns anos. Quantos? «Já nem me lembro». Tem o quinto ano de escolaridade mas precisou de três anos para o conseguir. Depois, ficou na rua a tempo inteiro. «A escola não vale nada. Não se aprende nada. Na escola os professores tomam-nos de ponta». Três queixas, três lamentos com vários acenos de concordância.
«O problema é estarmos sempre todos juntos. Se um faz asneira, os outros querem imitá-lo», reconhece. Desde cedo, desde que tinham pernas para andar, a rua tornou-se local de abrigo a céu aberto, sem ninguém que se ralasse, que se importasse, que tomasse conta deles. É um factor comum à zona da Ribeira. E à do Lagarteiro, São João de Deus, Aleixo, Cerco, Francos, Ramalde, bairros sociais pobres, minados pela droga, em diferentes freguesias da cidade. Acotoveladas em blocos de betão e apartamentos acanhados, as famílias crescem com muitas bocas e pouco dinheiro.
«Eu quero ter as minhas coisas, beber os meus copos, fumar cigarros e charros, comprar as minhas roupas», afirma Hugo. «Se não tenho, roubo. O que é que tu farias?»
Versão integral na edição nº 1751


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