Fonte: Jornal da Madeira, de 11-03-2006- Artigo do Drº Nélson Carvalho (Psicólogo clínico)
No dia 8 do corrente mês celebrou-se o Dia Internacional da Mulher, o qual constitui um marco fundamental para a evolução dos direitos e garantias das mulheres. Todavia, enquanto esta efeméride for celebrada, significa que os seus direitos continuam a ser negados e discriminados. Por conseguinte, é nosso desejo que este dia deixe de ser celebrado, porquanto tal acontecer é sinal de que as mulheres serão tratadas como seres humanos que são, com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.
Temos a perfeita noção de que tal objectivo ainda está longe de ser alcançado, dada a quantidade de mulheres que continuam a ser, quotidianamente, maltratadas física e psicologicamente, discriminadas sexual e laboralmente.
A instituição Família, na qual os papéis dos cônjuges estão definidos rigidamente, de acordo com o género (homem trata do sustento da casa e mulher trata das lides domésticas e da educação dos filhos), continua a ter um peso enorme na nossa sociedade. É inegável a quantidade de mulheres que trabalham fora, contudo, também é indesmentível que esta atitude importante e gratificante, em termos de realização profissional e pessoal, constitui um enorme esforço e acréscimo das suas funções no casal. Além da carreira, é responsável pelas tarefas acima referidas. Felizmente que o conceito de família está a mudar, e é com agrado que assistimos à partilha de tarefas e papéis entre alguns casais, no entanto, temos um longo caminho a percorrer.
O conceito estático e rígido de Família, aliado à concepção de que é proibido intrometer-se nos problemas do casal (“entre marido e mulher ninguém mete a colher”), faz com que inúmeras mulheres sejam vítimas de violência doméstica. As cônjuges, por motivos religiosos, sociais e familiares, continuam a sofrer, silenciosamente, maus tratos físicos e psicológicos. Não se pense que tais situações só ocorrem nas classes socioeconómicas mais baixas.
Nada mais enganador! A Violência Doméstica atinge todas as classes, independentemente do estatuto social, do nível académico, bem como da profissão. Além disso, verifica-se que, em muitos dos casos, na fase do namoro, já há sinais de violência física e psicológica na relação amorosa. Tal facto é preocupante, dado que tais comportamentos são escamoteados e/ou negligenciados por parte da vítima, pois considera que diminuirão de frequência e de intensidade com o evoluir da relação, terminando quando do casamento. Tal concepção é completamente falsa! A partir do momento em que surge violência no casal, esta deve ser imediatamente ceifada, caso contrário, pode constituir um preditor de risco para a violência marital.
As vítimas de violência doméstica são maioritariamente mulheres e crianças, contudo, existem, em muito menor número, situações em que as vítimas são homens, os quais, devido aos preconceitos sociais sexistas e machistas, omitem e escondem ainda mais a situação. Os casais onde predomina esta situação caracterizam-se genericamente pela submissão da vítima ao agressor, que se traduz na ausência de espaço para discutir, decidir, exteriorizar livremente. Há um clima de terror e ciúme, quando deveria haver amor, compreensão, respeito e confiança mútua. Um casal deve ser uma equipa, onde há respeito e capacidade de articular e coordenar as diferentes perspectivas, valores, crenças e estratégias, e não uma prisão, na qual a vítima está constantemente amarrada e o agressor, o carcereiro, abre, cobardemente, a cela quando bem lhe apetece, para satisfazer e impor o seu poder. Sim! Porque, para ele, o casamento só pode funcionar assim.
O que leva a vítima a tolerar anos e anos de violência? Numa perspectiva geral, são várias as razões que conduzem a esta situação. Podemos destacar o medo, a dependência económica, os filhos, crenças religiosas, pressão familiar e social, falta de autonomia e amor. Além disso, o agressor consegue manipular e controlar a vítima de tal forma que esta, quando quer reagir, aquele promete, qual virgem!, que não volta a exibir tal atitude ou comportamento violento, e a vítima aceita, acredita e, acima de tudo, tem esperança de que este pesadelo vai terminar, contudo, tal não passa de falsas promessas, e estes episódios repetem-se com o decorrer da relação. Para esta situação terminar efectivamente, é necessário uma atitude firme e determinada, que pode e deve passar pelo divórcio e/ou pela apresentação de uma queixa nas instituições competentes. Infelizmente, a condição de fragilidade e de submissão psicológicas, bem como a falta de apoio da família e amigos, muitas vezes dissuade a vítima, que continua na situação adversa, conduzindo-a a perturbações psíquicas graves, desde a depressão, passando pela ansiedade, podendo terminar de forma drástica em suicídio. Por conseguinte, vincamos mais uma vez, é fundamental ceifar desde logo estas situações.
A vergonha deve dar lugar à coragem para pedir ajuda. Existem várias formas de o fazer, desde a linha 144, os centros de saúde, onde trabalham equipas multidisciplinares, forças de segurança, Ministério Público, advogados e, caso tenha o seu apoio, a família e os amigos. Como sabemos, a violência doméstica é um crime público, logo é nosso dever ético e moral denunciar tais situações, em vez de acomodarmos e refugiarmos em preconceitos sociais idiotas e sexistas.
Para terminarmos, gostaríamos de apresentar os números difundidos pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, relativos a 2005: das 14.371 queixas recebidas, 12.809 (80%), foram de violência doméstica, dos quais 32,5% se referem a maus tratos psíquicos e 32,2% a maus tratos físicos. Estes números pecam, infelizmente, por defeito.
NELSON DE CARVALHO
Psicólogo Clínico
No dia 8 do corrente mês celebrou-se o Dia Internacional da Mulher, o qual constitui um marco fundamental para a evolução dos direitos e garantias das mulheres. Todavia, enquanto esta efeméride for celebrada, significa que os seus direitos continuam a ser negados e discriminados. Por conseguinte, é nosso desejo que este dia deixe de ser celebrado, porquanto tal acontecer é sinal de que as mulheres serão tratadas como seres humanos que são, com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes.
Temos a perfeita noção de que tal objectivo ainda está longe de ser alcançado, dada a quantidade de mulheres que continuam a ser, quotidianamente, maltratadas física e psicologicamente, discriminadas sexual e laboralmente.
A instituição Família, na qual os papéis dos cônjuges estão definidos rigidamente, de acordo com o género (homem trata do sustento da casa e mulher trata das lides domésticas e da educação dos filhos), continua a ter um peso enorme na nossa sociedade. É inegável a quantidade de mulheres que trabalham fora, contudo, também é indesmentível que esta atitude importante e gratificante, em termos de realização profissional e pessoal, constitui um enorme esforço e acréscimo das suas funções no casal. Além da carreira, é responsável pelas tarefas acima referidas. Felizmente que o conceito de família está a mudar, e é com agrado que assistimos à partilha de tarefas e papéis entre alguns casais, no entanto, temos um longo caminho a percorrer.
O conceito estático e rígido de Família, aliado à concepção de que é proibido intrometer-se nos problemas do casal (“entre marido e mulher ninguém mete a colher”), faz com que inúmeras mulheres sejam vítimas de violência doméstica. As cônjuges, por motivos religiosos, sociais e familiares, continuam a sofrer, silenciosamente, maus tratos físicos e psicológicos. Não se pense que tais situações só ocorrem nas classes socioeconómicas mais baixas.
Nada mais enganador! A Violência Doméstica atinge todas as classes, independentemente do estatuto social, do nível académico, bem como da profissão. Além disso, verifica-se que, em muitos dos casos, na fase do namoro, já há sinais de violência física e psicológica na relação amorosa. Tal facto é preocupante, dado que tais comportamentos são escamoteados e/ou negligenciados por parte da vítima, pois considera que diminuirão de frequência e de intensidade com o evoluir da relação, terminando quando do casamento. Tal concepção é completamente falsa! A partir do momento em que surge violência no casal, esta deve ser imediatamente ceifada, caso contrário, pode constituir um preditor de risco para a violência marital.
As vítimas de violência doméstica são maioritariamente mulheres e crianças, contudo, existem, em muito menor número, situações em que as vítimas são homens, os quais, devido aos preconceitos sociais sexistas e machistas, omitem e escondem ainda mais a situação. Os casais onde predomina esta situação caracterizam-se genericamente pela submissão da vítima ao agressor, que se traduz na ausência de espaço para discutir, decidir, exteriorizar livremente. Há um clima de terror e ciúme, quando deveria haver amor, compreensão, respeito e confiança mútua. Um casal deve ser uma equipa, onde há respeito e capacidade de articular e coordenar as diferentes perspectivas, valores, crenças e estratégias, e não uma prisão, na qual a vítima está constantemente amarrada e o agressor, o carcereiro, abre, cobardemente, a cela quando bem lhe apetece, para satisfazer e impor o seu poder. Sim! Porque, para ele, o casamento só pode funcionar assim.
O que leva a vítima a tolerar anos e anos de violência? Numa perspectiva geral, são várias as razões que conduzem a esta situação. Podemos destacar o medo, a dependência económica, os filhos, crenças religiosas, pressão familiar e social, falta de autonomia e amor. Além disso, o agressor consegue manipular e controlar a vítima de tal forma que esta, quando quer reagir, aquele promete, qual virgem!, que não volta a exibir tal atitude ou comportamento violento, e a vítima aceita, acredita e, acima de tudo, tem esperança de que este pesadelo vai terminar, contudo, tal não passa de falsas promessas, e estes episódios repetem-se com o decorrer da relação. Para esta situação terminar efectivamente, é necessário uma atitude firme e determinada, que pode e deve passar pelo divórcio e/ou pela apresentação de uma queixa nas instituições competentes. Infelizmente, a condição de fragilidade e de submissão psicológicas, bem como a falta de apoio da família e amigos, muitas vezes dissuade a vítima, que continua na situação adversa, conduzindo-a a perturbações psíquicas graves, desde a depressão, passando pela ansiedade, podendo terminar de forma drástica em suicídio. Por conseguinte, vincamos mais uma vez, é fundamental ceifar desde logo estas situações.
A vergonha deve dar lugar à coragem para pedir ajuda. Existem várias formas de o fazer, desde a linha 144, os centros de saúde, onde trabalham equipas multidisciplinares, forças de segurança, Ministério Público, advogados e, caso tenha o seu apoio, a família e os amigos. Como sabemos, a violência doméstica é um crime público, logo é nosso dever ético e moral denunciar tais situações, em vez de acomodarmos e refugiarmos em preconceitos sociais idiotas e sexistas.
Para terminarmos, gostaríamos de apresentar os números difundidos pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, relativos a 2005: das 14.371 queixas recebidas, 12.809 (80%), foram de violência doméstica, dos quais 32,5% se referem a maus tratos psíquicos e 32,2% a maus tratos físicos. Estes números pecam, infelizmente, por defeito.
NELSON DE CARVALHO
Psicólogo Clínico
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