Fonte: gplp.mj
.../Prop/20052005.05....
Exposição de motivos
O XVII Governo Constitucional assumiu o compromisso de consagrar um novo regime deresponsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas públicas, na sequência de iniciativas anteriormente tomadas e que, por razões que se repetiram, não deram lugar a um texto legal.
Com efeito, na VIII legislatura, o XIV Governo Constitucional levou a cabo o propósitode elaborar um diploma que regulasse globalmente a matéria da responsabilidadeextracontratual do Estado e demais entidades públicas, por danos resultantes do exercíciodas funções política e legislativa, jurisdicional e administrativa, pela primeira vez na nossaordem jurídica.Para o efeito promoveu a realização de um processo de participação pública, no âmbito doqual foram debatidas as grandes questões que neste domínio se colocam, tendo sidoreunidos em livro os textos das intervenções realizadas.
Diversos contributos para areforma foram posteriormente apresentados, com destaque para o da Ordem dosAdvogados, que divulgou um texto, elaborado por uma comissão de reputadosespecialistas, no qual apresentou, sob a forma de articulado, as suas propostas sobre amatéria.
Assim, em 30 de Novembro de 2001, a Assembleia da República aprovou na generalidadee com o voto favorável de todos os partidos representados, a Proposta de Lei n.º 95/VIII,apresentada pelo Governo em Julho de 2001, sobre o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.A referida Proposta de Lei não chegou, no entanto, a ser aprovada na especialidade pelaAssembleia da República, por força da demissão do Governo, que implicou a caducidadeda referida Proposta de Lei e obrigou ao recomeço de um novo procedimento legislativo.
Iniciada nova legislatura, um grupo de deputados do Grupo Parlamentar do PartidoSocialista apresentou, em 16 de Outubro de 2002, um novo projecto de lei deResponsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Projecto de Lei n.º 148/IX), que sebaseou na Proposta de Lei n.º 95/VIII. Esse Projecto também foi aprovado porunanimidade, na generalidade, em Novembro de 2002.Em Setembro de 2003, o XV Governo Constitucional apresentou à Assembleia daRepública a Proposta de Lei n.º 88/IX, que foi igualmente aprovada na generalidade pelaAssembleia da República.
À semelhança do que sucedera em 2001 com a Proposta de Lei n.º 95/VIII, as referidaspropostas não chegaram a ser votadas na especialidade, em virtude da demissão do Governo, o que determinou, uma vez mais, a caducidade das propostas, obrigando aorecomeço de novo procedimento legislativo.O Governo apresenta agora novamente à Assembleia da República uma proposta de leique regula o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, na esteira dos projectos apresentados pelo XIV Governo Constitucional e pelos deputados do GrupoParlamentar do Partido Socialista.Os diversos contributos recolhidos no decurso deste longo processo foram tidos em contana elaboração da presente proposta de lei, com destaque para as propostas contidas notexto apresentado pela Ordem dos Advogados, cujo articulado foi, em grande medida,retomado, na medida em que pareceu deverem ser partilhados muitos dos considerandosem que ele se baseou e que, nesta exposição de motivos, por isso mesmo se subscrevem.
Pode dizer-se que se afigura correcta a opção de partir para a redefinição do regime daresponsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direitopúblico, pelo menos no que ao exercício da função administrativa se refere, do regimeestatuído no Decreto-Lei n.º 48 051 e às soluções que, ao longo dos tempos, em seu tornoforam sendo gizadas pela jurisprudência portuguesa. Daí ter sido considerado útil incorporar na lei soluções que, tendo vindo a afirmar-se na prática jurisprudencial, aconsagração normativa permitirá consolidar.É o que sucede com alguns dos preceitos que integram as disposições gerais, bem comocom algumas das normas em matéria de responsabilidade pelo exercício da funçãoadministrativa - com destaque para a consagração, com alcance geral, do entendimento, jáassumido pela jurisprudência administrativa, de que a eventual não utilização da viaprocessual adequada à eliminação de um acto jurídico lesivo, só por si, não põe em causa odireito à indemnização, apenas podendo relevar no quadro do instituto da culpa do lesado.
O novo diploma procura, entretanto, dar, finalmente, resposta à necessidade, de há muitosentida, de adaptar o regime legal da responsabilidade civil extracontratual das entidadespúblicas às exigências ditadas pela Constituição da República. Neste sentido aperfeiçoa-se o regime da responsabilidade pelo exercício da função administrativa, estendendo o campode aplicação do regime da responsabilidade solidária ao domínio das condutas praticadas com culpa grave; estabelece-se, pela primeira vez em Portugal, um regime geral de responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional; e introduz-se um regime inovadorem matéria de responsabilidade pelo exercício das funções política e legislativa. De não menor alcance é a opção de consagrar, nos mais amplos termos, o dever de o Estado edemais pessoas colectivas de direito público indemnizarem todo aquele a quem, por razõesde interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, semcircunscrever o regime ao exercício da função administrativa.
Trata-se, em qualquer destes domínios, de dar cumprimento aos imperativos do Estado dedireito, assegurando a adequada tutela de quem é lesado pela actuação ilícita das entidadespúblicas e, do mesmo passo, promovendo a qualidade e a responsabilidade no exercíciodos poderes públicos. Neste último sentido se inscreve a transformação do direito deregresso, quando exista, num poder de exercício vinculado.Antes de mais, opta-se, no presente diploma, por manter a diferenciação que, na ordemjurídica portuguesa, tem sido estabelecida entre actuações administrativas que dão lugar auma responsabilidade regida por disposições de direito público e actuações administrativasque dão lugar a uma responsabilidade regida por disposições de direito privado,circunscrevendo o âmbito do diploma à definição do regime de direito público daresponsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.Considera-se, na verdade, que não são qualitativamente idênticas e, por isso,indiferenciáveis as condutas que as entidades públicas desenvolvem como se fossementidades privadas e aquelas que elas adoptam no exercício de poderes públicos deautoridade ou, em todo o caso, ao abrigo de disposições e princípios de direito público,institutivos de deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa,que não se aplicam à actuação das entidades privadas. E que, dentro dessa perspectiva,ainda permanecem válidas as razões que, historicamente, levaram a associar a esta distinçãouma diferenciação de regimes, admitindo que, quando está em causa o exercício de funçõespúblicas, a responsabilidade directa do titular de órgão, funcionário ou agente e o direito deregresso sobre ele apenas devem existir quando tenha havido dolo ou culpa grave da suaparte. Trata-se, na verdade, de reconhecer que as obrigações funcionais dos agentes públicospodem ser vastas e complexas, o que os pode levar a cometer um maior número de faltassem culpa grave, e de admitir que a exposição do agente, nestes casos, ao pagamento deindemnizações de montante muito superior aos proventos que a função lhe proporcionapode fazer com que o receio de ser responsabilizado por culpa leve o iniba nas suasiniciativas, prejudicando a serenidade e a independência dos seus juízos. Opta-se, assim, por delimitar o âmbito material das actuações abrangidas pelo regime deresponsabilidade segundo o critério do regime jurídico substantivo ao abrigo do qual elasforam adoptadas.Num momento histórico de reconhecida e crescente indefinição no que diz respeito àdelimitação de conceitos como o de “Administração Pública” ou mesmo de “entidadespúblicas”, não faltando quem neles inclua as pessoas colectivas que, tendo sido criadassegundo formas de instituição regidas pelo direito privado e funcionando fundamentalmente ao abrigo de regras de direito privado, são, no entanto, detidas porentidades públicas, gerem recursos públicos e prosseguem finalidades de interesse público,houve também o propósito de evitar ambiguidades quanto à determinação da extensão emque o presente diploma se aplica a tais entidades, “entidades públicas sob formas privadas”.
Por este motivo se recorre à clássica contraposição entre “pessoas colectivas de direitopúblico” e “pessoas colectivas de direito privado” para esclarecer que tanto aresponsabilidade de umas como a de outras só se rege por este diploma quando resulte deactuações reguladas por disposições e princípios específicos de direito administrativo,segundo o critério material de delimitação que já foi exposto.
Ainda no que se refere à responsabilidade civil da Administração, as principais alteraçõespropostas consistem no já referido alargamento da regra da solidariedade, emconformidade com a Constituição, ao domínio das condutas praticadas com culpa grave; aconsagração legal da responsabilidade objectiva da Administração pelo funcionamentoanormal dos seus serviços; e a introdução de um regime de presunção de culpa, nos casosem que os danos são causados por actos jurídicos, o que compreende actos administrativose actos de conteúdo normativo. Com a introdução desta presunção de culpa, aproxima-se, finalmente, o quadro normativolegislado da prática dos nossos tribunais administrativos, que — em sintonia com a tradiçãofirmada nos países do sul da Europa, com particular destaque para a França, e, porinfluência desta, no direito comunitário —, já de há muito vinham entendendo que a culpaé inerente à prática de actos jurídicos ilegais por parte da Administração.
Do mesmo passo,dá-se, assim, satisfação às exigências impostas pela Directiva n.º 89/665/CEE, de 21 deDezembro, a que se veio juntar a Directiva 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que, emborano domínio específico das consequências da anulação de actos relativos à formação decerto tipo de contratos, se fazem eco da orientação, de matriz francesa, que tem inspiradoo Tribunal de Justiça das Comunidades no domínio da responsabilidade por actosadministrativos ilegais e que precisamente assenta no entendimento de que a culpa seencontra ínsita na ilegalidade cometida, sem carecer, por isso, de demonstração.Avança-se, por outro lado, no sentido do alagamento da responsabilidade civil do Estadopor danos resultantes do exercício da função jurisdicional, fazendo, para o efeito, uma opção arrojada: a de estender ao domínio do funcionamento da administração da justiça oregime da responsabilidade da Administração, com as ressalvas que decorrem do regimepróprio do erro judiciário e com a restrição que resulta do facto de não se admitir que osmagistrados respondam directamente pelos ilícitos que cometam com dolo ou culpa grave,pelo que não se lhes aplica o regime de responsabilidade solidária que vale para os titularesde órgãos, funcionários e agentes administrativos, incluindo os que prestam serviço naadministração da justiça.No que se refere ao regime do erro judiciário, para além da delimitação genérica doinstituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dospressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunaisadministrativos, numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondadeintrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundadona prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.De especial alcance é a opção de avançar para a consagração de um regime geral deresponsabilidade do Estado e das Regiões Autónomas por acções ou omissões ilícitascometidas no exercício das funções política ou legislativa.Pese embora a delicadeza da matéria e a incipiência da prática jurisprudencial, entendeu-senão dever o legislador manter silêncio sobre os elementos constitutivos da responsabilidadeque, neste domínio, se revestem de alguma especificidade e cuja definição, por isso mesmo,se torna mais difícil.Neste sentido se identificam as situações de ilicitude por referência à ofensa de direitosfundamentais, quando esteja em causa a violação evidente do dever da sua protecção, bemcomo a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, quando resulte da violação denormas constitucionais, de direito internacional ou comunitário, ou de normas de valorreforçado.Reconhecendo, com a doutrina, que o conceito civilístico de culpa se coaduna mal com aliberdade de conformação inerente à função política e com o contraditório inerente aopluralismo parlamentar, mas que ao mesmo tempo se impõe alguma exigência nadeterminação dos critérios a adoptar neste domínio, opta-se por evitar o apelo, nestecontexto, a um conceito de culpa, para se reconhecer a necessidade de apreciar o contextoque rodeou a conduta lesiva, determinando se a actuação do legislador abstractocorrespondeu aos padrões objectivamente exigíveis em função das circunstâncias do caso.Concorda-se em que se justifica admitir a possibilidade de o tribunal limitar a indemnizaçãoquando os lesados por uma acção ou omissão legislativa ilícita e culposa forem em talnúmero que se justifique, por razões de interesse público de excepcional relevo, uma talsolução.A revisão do regime da responsabilidade por danos resultantes do exercício da funçãojurisdicional aconselha, por fim, a uma harmonização do preceito do Código de ProcessoPenal relativo à obrigação de indemnizar no caso de detenção ou prisão preventivailegítima, bem como do preceito que, no Estatuto do Ministério Público, se refere àresponsabilidade dos respectivos magistrados.Neste sentido, adequa-se o artigo 225.º do Código de Processo Penal ao disposto no artigo27.º da Constituição, fazendo, por um lado, com que a previsão do preceito passe acompreender todas as medidas cautelares ilegítimas de privação, total ou parcial, daliberdade, que não apenas as medidas de detenção ou prisão preventiva, e excluindo, poroutro lado, que a culpa leve do arguido possa afastar a responsabilidade do Estado.Harmoniza-se, entretanto, o disposto no Estatuto do Ministério Público com o que hoje seencontra definido, no Estatuto dos Magistrados Judiciais, quanto aos pressupostos de quedepende o exercício do direito de regresso do Estado sobre os magistrados,circunscrevendo o âmbito de exercício desse direito aos casos de dolo ou culpa grave.Foram ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dosAdvogados, a Câmara dos Solicitadores e o Conselho dos Oficiais de Justiça.
Assim:Nos termos da alínea d) do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta àAssembleia da República a seguinte proposta de lei:A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º daConstituição, o seguinte:
Artigo 1.ºAprovação
É aprovado o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demaisentidades públicas, que se publica em anexo à presente lei e que dela faz parte integrante.
Artigo 2.ºAlteração ao Código de Processo Penal
O artigo 225.º do Código de Processo Penal passa a ter a seguinte redacção:«1 - Quem tiver sofrido prisão preventiva ou outra medida cautelar de privação, total ouparcial, da liberdade que sejam ilegais ou se venham a revelar injustificadas por erro naapreciação dos pressupostos de facto de que dependiam, pode requerer, perante o tribunalcompetente, indemnização dos danos sofridos.2 - Ressalva-se o caso de o lesado ter concorrido para o erro com dolo ou culpa grave.»
Artigo 3.ºAlteração ao Estatuto do Ministério Público
O artigo 77.º do Estatuto do Ministério Público passa a ter a seguinte redacção:«Fora dos casos em que a falta constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode serefectivada, mediante acção de regresso do Estado, em caso de dolo ou culpa grave.»
Artigo 4.ºNorma revogatória
São revogados o Decreto-Lei n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e os artigos 96.º e97.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção da Lei n.º 5-A/2002, de 11 deJaneiro.
Artigo 5.ºEntrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de trinta dias após a data da sua publicação.
Anexo
Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidadespúblicas
CAPÍTULO IDisposições gerais
Artigo 1.ºÂmbito de aplicação
1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas dedireito público, por danos resultantes do exercício das funções política e legislativa,jurisdicional e administrativa, rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o quenão esteja previsto em lei especial.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da funçãoadministrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poderpúblico ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, impositivosde deveres ou restrições especiais, de natureza especificamente administrativa, que não seaplicam à actuação das entidades privadas.
3 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, o presente diploma regula também aresponsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos, por danosdecorrentes de acções ou omissões adoptadas no exercício das funções administrativa ejurisdicional e por causa desse exercício.
4 - As disposições do presente diploma são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dosdemais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando-se extensivas aestes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes.
5 - As disposições que, no presente diploma, regulam a responsabilidade das pessoascolectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários eagentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são tambémaplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivostrabalhadores, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poderpúblico ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Artigo 2.ºDanos ou encargos especiais e anormais
Para os efeitos do disposto no presente diploma, consideram-se especiais os danos ouencargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade daspessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade,mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito.
Artigo 3.ºObrigação de indemnizar
1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto no presente diploma,deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga àreparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possívelou não repare integralmente os danos.
3 - A responsabilidade prevista no presente diploma compreende os danos patrimoniais enão patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos geraisde direito.
Artigo 4.ºCulpa do lesado
Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ouagravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processualadequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base nagravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, sea indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Artigo 5.ºPrescrição
O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demaispessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários eagentes, bem como o direito de regresso, prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão einterrupção da prescrição.
Artigo 6.ºDireito de regresso
1 - O exercício do direito de regresso, nos casos em que este se encontra previsto nopresente diploma, é obrigatório, sem prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, a secretaria do tribunal que tenhacondenado a pessoa colectiva remete certidão da sentença, logo após o trânsito em julgado,à entidade ou às entidades competentes para o exercício do direito de regresso.
CAPÍTULO IIResponsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa
SECÇÃO IResponsabilidade por facto ilícito
Artigo 7.ºResponsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas de direitopúblico
1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamenteresponsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpaleve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da funçãoadministrativa e por causa desse exercício.
2 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveisquando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular deórgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal daacção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.
3 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e apadrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuaçãosusceptível de evitar os danos produzidos.
Artigo 8.ºResponsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave
1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos queresultem de acções ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência ezelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.
2 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis de formasolidária com os respectivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as acções ouomissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício dassuas funções e por causa desse exercício.
3 - Sempre que satisfaçam qualquer indemnização nos termos do número anterior, oEstado e as demais pessoas colectivas de direito público gozam de direito de regressocontra os titulares de órgãos, funcionários ou agentes responsáveis, competindo aostitulares de poderes de direcção, de supervisão, de superintendência ou de tutela adoptar asprovidências necessárias à efectivação daquele direito, sem prejuízo do eventualprocedimento disciplinar.
Artigo 9.ºIlicitude
1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários eagentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ouinfrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado, e de que resulte aofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidosresulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no artigo 7.º, n.º 3.
Artigo 10.ºCulpa
1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada peladiligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, deum titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpaleve na prática de actos jurídicos ilícitos.3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, poraplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havidoincumprimento de deveres de vigilância.4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º doCódigo Civil.
SECÇÃO IIResponsabilidade pelo risco
Artigo 11.ºResponsabilidade pelo risco
1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem pelos danosdecorrentes de actividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos,salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de culpado lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias,reduzir ou excluir a indemnização.2 - Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido para a produção ouagravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas colectivas de direito públicorespondem solidariamente com o terceiro, sem prejuízo do direito de regresso.
CAPÍTULO IIIResponsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional
Artigo 12.ºRegime geral
Salvo o disposto nos artigos seguintes, é aplicável aos danos ilicitamente causados pelaadministração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial emprazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício dafunção administrativa.
Artigo 13.ºResponsabilidade por erro judiciário
1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ouinjustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
Artigo 14.º Responsabilidade dos magistrados
1 - Sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possam incorrer, os magistradosjudiciais e do Ministério Público não podem ser directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que pratiquem no exercício das respectivas funções, mas,quando tenham agido com dolo ou culpa grave, o Estado goza de direito de regresso contra eles.
2 - A decisão de exercer o direito de regresso sobre os magistrados cabe ao órgão competente para o exercício do poder disciplinar, a título oficioso ou por iniciativa do Ministro da Justiça.
CAPÍTULO IVResponsabilidade civil por danos decorrentes do exercício das funções política elegislativa
Artigo 15.ºResponsabilidade no exercício das funções política e legislativa
1 - O Estado e as regiões autónomas são civilmente responsáveis pelos danos anormaiscausados aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos por actos que, noexercício da função política ou legislativa, pratiquem em desconformidade com aConstituição, o direito internacional, o direito comunitário ou acto legislativo de valorreforçado.
2 - O Estado e as regiões autónomas são também civilmente responsáveis pelos danosanormais que, para os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, resultemda omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normasconstitucionais, de direito internacional ou de direito comunitário, ou normas contidas emacto legislativo de valor reforçado, bem como daqueles que resultem da violação evidentedo dever de protecção de direitos fundamentais.
3 - A existência e a extensão da responsabilidade prevista nos números precedentes sãodeterminadas atendendo às circunstâncias de cada caso e, designadamente, ao grau declareza e precisão da norma violada e ao facto de terem sido adoptadas ou omitidasdiligências susceptíveis de evitar a situação de ilicitude.
4 - A constituição em responsabilidade fundada na omissão de providências legislativasnecessárias para tornar exequíveis normas constitucionais depende da prévia declaração deinconstitucionalidade por omissão pelo Tribunal Constitucional.
5 - Quando os lesados forem em tal número que, por razões de interesse público deexcepcional relevo, se justifique a limitação do âmbito da obrigação de indemnizar, estapode ser fixada equitativamente em montante inferior ao que corresponderia à reparaçãointegral dos danos causados.
CAPÍTULO VIndemnização pelo sacrifício
Artigo 16.ºIndemnização pelo sacrifício
O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizarão os particulares aquem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais eanormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao graude afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de
O Primeiro-Ministro
Ministro de Estado e da Administração Interna
Ministro de Estado e das Finanças
Ministro da Justiça
Ministro dos Assuntos Parlamentares
Sem comentários:
Enviar um comentário