sexta-feira, março 31, 2006

Um olhar juridico sobre a mediação

INTERVENÇÃO NO I ENCONTRO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR NA RAM- 9h30

Autor:
Mário Rodrigues da Silva




Começo por agradecer o convite que me foi endereçado por escrito pela Direcção-Geral da Administração Extrajudicial e pelo Instituto Português de Mediação Familiar nas pessoas dos senhores Dr Filipe Lobo D´Avila e Drª Maria Sadanha Pinto Ribeiro. Também quero deixar aqui um agradecimento especial à Dr.ª Celina Aguiar que foi quem me convidou pessoalmente.
Igualmente saúdo os colegas da minha mesa, assim como os presentes nesta sala que num acto de grande boa vontade que não posso deixar de enaltecer vão ter a paciência de me ouvir nos próximos minutos.
Quero ainda saudar esta iniciativa e o relevante contributo que a mesma representa para o debate dos problemas da mediação e espero que da mesma resulte a implementação da mediação familiar na RAM.

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A exposição que vou apresentar é composta das seguintes partes: 1- Introdução; 2- A Mediação Familiar no Direito Comparado; 3- A Mediação Familiar em Portugal; 4- Os princípios da Mediação Familiar; 5- Vantagens da Mediação Familiar; 6- Críticas à Mediação Familiar; 7- Sugestões; 8- Conclusões.


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1- Introdução:
Pensando no tema em causa “um olhar jurídico sobre a mediação” veio-me logo à ideia de que a culpa de tudo isto é daquilo a que chamamos “tempos modernos” ou “modernidade”.
Com efeito, falar de modernidade na área do direito de família é falar de um casal desavindo com as seguintes implicações: processos de divórcio ou separação judicial, de atribuição de casa de morada de família, de inventário, de alteração à regulação do exercício do poder paternal, de inibição ou limitação do exercício do poder paternal, de tutela, incidentes de incumprimento, para já não falar nos casos mais graves em que se torna necessário intentar processos de promoção e protecção a favor dos menores. A toda esta panóplia há que adicionar aquilo a que chamamos “famílias combinadas” ou “recombinadas” que eu prefiro chamar de família rotativa, em que os seus membros mudam aos fins-de-semana, senão semanalmente, pelo menos quinzenalmente.
Com efeito, nas últimas décadas do século XX operou-se uma grande transformação no conceito clássico de família. O histórico modelo patriarcal hierarquizado foi substituído por um modelo democrático igualitário em que a família é lugar de desenvolvimento da personalidade e de respeito dos direitos fundamentais de todos e de cada um dos seus membros. Ora, esta mudança implicou um aumento de conflitos face à diversidade de opiniões e decisões sobre os aspectos relacionados com a convivência e o surgir ao lado da família que tem como fontes o casamento outras formas de convivência familiar, caso das uniões de facto.
Vejamos de forma sumária as principais alterações nesta área:
1940- Celebração da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, nos termos da qual os portugueses casados catolicamente não podiam recorrer ao divórcio
1967- Entrada em vigor do novo Código Civil. Segundo este, a família é chefiada pelo marido, a quem compete decidir em relação à vida conjugal comum e aos filhos.
1968- Lei n.º 2 137, de 26 de Dezembro de 1968, que proclama a igualdade de direitos políticos do homem e da mulher, seja qual for o seu estado civil. Em relação às eleições locais, permanecem, contudo, as desigualdades, sendo apenas eleitores das Juntas de Freguesia os chefes de família.
Em 1969 a mulher casada pode transpor a fronteira sem licença do marido (Decreto-Lei n.º 49 317, de 25 de Outubro de 1969).
Em 1974 as mulheres passam a ter acesso a todos os cargos da carreira administrativa local (Decreto-Lei nº 251/74, de 12 de Junho), à carreira diplomática (Decreto-Lei nº 308/74, de 6 de Julho) e à magistratura (Decreto-Lei nº 492/74, de 27-09).
Igualmente em 1974 foram abolidas todas as restrições baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral dos cidadãos (Decreto-Lei n.º 621/A/74, de 15 de Novembro).
Em 1975 os casados catolicamente passaram a poder obter o divórcio civil (Decreto-Lei nº 187/75, de 4 de Abril alterou o artigo XXIV da Concordata).
Em 1976 é abolido o direito do marido abrir a correspondência da mulher (D.L. nº 474/76, de 16 de Junho).
Só com a entrada em vigor da Revisão do Código Civil operada pelo D.L. nº 496/77, de 25 de Novembro a mulher deixa de ter o estado de dependência para ter um estatuto de igualdade com o homem. Desaparece a figura do “chefe de família”. O governo doméstico deixa de pertencer, por direito próprio, à mulher.
Deixa de haver poder marital: ambos dirigem a vida comum e cada um a sua. Os cônjuges decidem em comum qual a residência do casal.
Marido e mulher podem acrescentar ao seu nome, no momento do casamento, até dois apelidos do outro. A mulher deixa de precisar de autorização para ser comerciante. Cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou actividade sem o consentimento do outro.
Mais recentemente, temos as Leis nº 6/2001 e 7/2001, ambas de 11 de Maio que regulam as situações de economia comum e as uniões de facto, que como sabem abrangem também as pessoas do mesmo sexo.
E já está em discussão pública e na agenda de vários partidos politicos as questões relativas ao casamento entre homossexuais e as adopções por homossexuais.
A par desta evolução conceptual, real há a registar as dificuldades sentidas pelo sistema judicial com o excesso de processos e a sua consequente morosidade o que favoreceu o aparecimento de mecanismos de recomposição dos conflitos familiares fora dos Tribunais de Família, inicialmente com objectivos de reconciliação mas que rapidamente evoluíram para a resolução amigável de conflitos sem necessidade de recurso a um processo judicial contencioso.
É assim que surgem as chamadas A.D.R. (Alternative Dispute Resolution) que agrupam um conjunto de técnicas diversas (negociação, arbitragem, conciliação e mediação).
Podemos assim dizer que a mediação e a sua interligação com a instituição judiciária está, como é do conhecimento geral, na ordem do dia.
Várias Convenções, Recomendações, Leis e textos internacionais recentes referem-se-lhe expressamente.
-Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança- nº 7 do Preâmbulo e art. 12.
-Princípios Orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios Orientadores de Riade) - nºs 11, 13, 16 e 17.
-Recomendação nº R (85) do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre Violência no Seio da Família.
-Recomendação nº R (86) 12 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros Relativa a Medidas Visando Prevenir e Reduzir a Sobrecarga de Trabalho dos Tribunais.
-Recomendação nº R (98) 1 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre Mediação Familiar adoptada em 21 de Janeiro de 1998 segundo a qual “A mediação familiar é o processo em que um terceiro, o mediador, imparcial e neutro, assiste pessoalmente as partes na negociação das questões que constituem o objecto de um litígio, com vista à obtenção de acordos comuns.
A mediação familiar é um processo extrajudicial através do qual um profissional imparcial, qualificado e sem poder decisório assiste às partes em conflito, principalmente para facilitar as vias de diálogo com vista a encontrar-se uma solução voluntária, aceitável e duradoura.
Estes elementos permitem diferenciar a mediação quer da conciliação, quer da negociação, quer ainda da arbitragem.

Fazendo agora uma retrospectiva à mediação nos tempos modernos podemos dizer que foi em 1974 que um advogado e conselheiro familiar de Atlanta, O.J. Coogler escreveu a primeira obra sobre a mediação familiar: mediação estruturada em acordos sobre divórcio: um manual para mediadores matrimoniais. Esta obra oferece um modelo para os mediadores e técnicas de mediação extraídas da mediação laboral e de outras ciências sociais. Anos mais tarde surge a Academia dos Mediadores Familiares.
A primeira experiência prática dos serviços profissionais da Mediação Familiar surge nos Estados Unidos mediante a criação do Departamento de Conciliação do Tribunal de Família de Milwaukee (Wisconsin) que depois foi reproduzido nos múltiplos Estados (Califórnia, Florida, e.t.c.).

2- A Mediação no Direito Comparado:
Os EUA foram o País pioneiro no processo da mediação, tal como o entendemos hoje.
Nos Tribunais Federais a regulação permite ao juiz obrigar as partes à mediação. O mediador tem de ser um advogado, com um mínimo de 5 anos de experiência, com o título de mediador e com formação profissional.
Se o juiz remeter o caso à Mediação, o procedimento judicial suspende-se por 60 dias, dentro dos quais as partes chegam ou não a acordo. Cada parte fundamenta a sua posição por escrito num máximo de dez páginas que entrega ao mediador para que este analise e oriente a mediação.
Se dentro desse prazo as partes não chegarem a nenhum acordo, o assunto volta ao tribunal para prosseguir o processo judicial. Se, pelo contrário as partes chegam a acordo através da mediação, este é formalizado por escrito no Tribunal, com a assinatura das partes, dos advogados e do juiz (Consent Order).
Nos Tribunais Estaduais a mediação é parte das A.D.R. para os casos cíveis, mas não para os casos de violência entre as partes, nem em casos de incapacidade.
Entre os diferentes Estados dos EUA a regulação da mediação varia. Por exemplo em New Jersey, os assuntos matrimoniais que dizem respeito à guarda e direito de visitas aos filhos são remetidos aos mediadores com vista a alcançar-se um acordo. É requisito necessário que os pais visionem um vídeo que se refere aos conflitos e seus efeitos sobre os filhos e a sua família. Alguns cônjuges preferem que todos os aspectos da regulação do poder paternal (guarda, direito de visitas e pensão de alimentos) sejam submetidos a mediação, embora só seja obrigatória para a guarda. Se as partes não chegam a acordo os advogados pedem a continuação do processo judicial.
No Alaska é obrigatória uma primeira sessão de mediação nos processos familiares.
Na Califórnia a mediação é uma prática comum em todos os processos de divórcio. No caso da guarda dos filhos, os pais estão obrigados a participar em sessões de mediação.
No Canadá um terapeuta familiar e matrimonial, Horward Irving, professor da Escola de Trabalho Social da Universidade de Toronto criou em 1974 um serviço de conciliação familiar que ajudava os cônjuges e seus advogados a chegar a acordos voluntários.
Em 1981 já existiam no Quebec serviços públicos de mediação familiar e em 1984, depois de se constatar que ao longo do ano anterior praticamente metade dos casamentos canadianos acabavam em divórcio e que a duração média dos casamentos passara de 13 para 9 anos, o Serviço de Mediação Familiar converteu-se num programa público, permanente e gratuito. O SMF é um serviço confidencial (as entrevistas não podem ser usadas em tribunais), voluntário, interdisciplinar e baseado num modelo sistémico de intervenção familiar.
Os mediadores costumam ser profissionais peritos em relações humanas, em dinâmica conjugal e intervenção familiar. A sua formação inclui ainda temas legais, processuais e de contabilidade para intervirem nos aspectos financeiros e patrimoniais.
Para além do serviço público do SMF existem um grande número de advogados, terapeutas e psicólogos que oferecem serviços de mediação familiar em todo o Quebec e Montreal.
No Brasil a mediação foi introduzida como prática em 1996, juntamente com a arbitragem.
Apesar de não haver uma legislação que venha a regular a aplicação da mediação familiar nos tribunais nada impede a sua aplicação, desde logo porque possibilita uma maior celeridade e eficácia nas decisões judiciais.
Isto porque a harmonia social e a solução pacífica das controvérsias são um dos preâmbulos da Constituição Brasileira e a quase totalidade dos instrumentos processuais adoptados em acções de direito de família prevêem já uma fase de conciliação prévia, não só através da aplicação dos princípios gerais do Código de Processo Civil, 331 e da Lei nº 968/54, 5º e 6º, como das regras insertas em legislação especial, com a Lei de Divórcio e a Lei de Alimentos.
A mediação pode ocorrer sob proposta do juiz, se aceite pelas partes, quando na fase da conciliação se verificar que existem posições aparentemente inconciliáveis nos interesses das partes, sendo viável até à prolação da sentença.
As partes podem também requerer a suspensão do processo por um determinado prazo de forma a dar início ao processo de mediação.
Em ambos os casos, a suspensão encontra-se coberta pelo CPC, 265, II, e uma vez excedido o prazo de 6 meses do & 3, sem que as partes tenham chegado a uma solução adequada, poderá ordenar o prosseguimento do processo.
No Brasil ainda não existe a mediação como serviço público, pelo que o custo da intervenção ficará em princípio a cargo das partes.
Na Inglaterra e Pais de Gales a regulação do divórcio introduzida pela Family Law Act de 1996 converteu a mediação familiar como uma instituição omnipresente.
Dispõe que as partes que se queiram divorciar e antes de apresentarem a declaração de ruptura do casamento – necessária para se instaurar o processo de divórcio – têm que assistir, no mínimo 3 meses antes, a uma sessão informativa em que lhe são asseguradas a existência e funcionamento da mediação familiar. Uma vez apresentada a declaração de ruptura o tribunal pode ainda impor que as partes assistam a uma outra reunião que os informará acerca da Mediação oferecendo-lhes a possibilidade de optar por este procedimento.
Mais discutível é o estabelecido na Se. 29 da Family Law Act que dispõe que o Estado não concederá o benefício de justiça gratuita no processo judicial se a Comissão de Assistência Jurídica declarar que segundo as circunstâncias existentes, teria sido possível e adequado submeter a resolução do Conflito à Mediação Familiar. Trata-se de um princípio que não respeita o princípio da voluntariedade que deve nortear a Mediação Familiar, e ainda porque discrimina as classes sociais mais desfavorecidas.
Em França a mediação familiar desenvolveu-se a partir dos anos 80 e tendo como base a experiência do Quebec.
Em 1995 surge a Lei nº 95-125 de 8 de Fevereiro que veio a ser desenvolvida pelo Decreto 96-562 de 22-07 relativo à conciliação e mediação familiares.
Esta regulação não se refere apenas à mediação familiar.
Por sua vez, o Código de Processo Civil, no seu título VI define mediação e aponta-a como um recurso do qual o juiz pode lançar mão, com assentimento das partes, para obter uma solução para o conflito que as opõe.
O Juiz, uma vez obtido o consentimento das partes pode designar uma terceira pessoa que reúna as condições regulamentares com vista a encontrar uma solução para o conflito.

Em Madrid há a destacar o Serviço de Mediação Familiar da União das Associações Familiares-UNAF que actua desde 1990 mediante um convénio subscrito entre o Ministério dos Assuntos Sociais e a UNAF.
A equipa de assessoria técnica dos Julgados de Família de Barcelona começou também a utilizar desde 1990 a mediação familiar em processos de separação e divórcio.
Catalunha que tem sido pioneira em Espanha na mediação aprovou o Código da Família, (Lei nº 9/1998, de 15 de Julho), a Lei de Mediação Familiar da Catalunha (Lei nº 1/2001, de 15 de Março) e criou o Centro de Mediação Familiar da Catalunha que depende da Direcção Geral de Direito e das Entidades Jurídicas do Departamento da Justiça. Este tem como objectivo dar a conhecer, difundir e promover a mediação e suas vantagens como meio pacífico de resolução dos conflitos familiares e conseguir que esta seja uma opção facilmente acessível a todos os cidadãos.
Por sua vez, a Galiza aprovou a Lei nº 4/2001, de 31 de Maio reguladora da mediação familiar


3. Mediação Familiar em Portugal:
Portugal aderiu há muito pouco tempo e de forma muito vagarosa ao projecto mundial da mediação familiar.
Em 1993 foi criado o Instituto Português de Mediação Familiar. Em 1997 foi constituída a Associação Nacional para a Mediação Familiar.
Finalmente, em 1997 o Estado Português reconheceu a importância da mediação familiar, tendo criado o Gabinete de Mediação Familiar, a título experimental em Lisboa, através do Despacho nº 12368 do Ministério da Justiça, de 25-11-1997, publicado no D.R. II, Série, nº 283 (em 9-12-1997). Só abriu as suas portas em 1999 com uma competência territorial limitada ao concelho de Lisboa e em 2001 viu a sua competência ser alargada aos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa.
Entre outras atribuições (orientações, acompanhamento, estudos de investigação, divulgação e formação), ao Gabinete de Mediação Familiar compete, por via da mediação, proporcionar aos pais, em fase de separação e/ou divórcio, um contexto de negociação, garantir a continuidade do relacionamento entre os pais e filhos, promover a co-parentalidade, contribuir para o cumprimento dos acordos relativos aos filhos e facilitar a comunicação entre os pais.
Cumpre ainda dizer que a mediação propriamente dita não se encontra regulada de forma genérica, mas está especialmente prevista na legislação que criou os Julgados de Paz, na lei relativa à Organização Tutelar de Menores e no diploma que criou o sistema de registo das entidades que pretendam instituir procedimentos de resolução extrajudicial dos conflitos.
No âmbito dos processos de regulação do exercício do poder paternal, a lei prevê que o juiz determine, oficiosamente, com o consentimento dos interessados, ou a requerimento destes, a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação – artigo 147º-D da OTM (na redacção da Lei nº 133/99, de 13 de Agosto, com a entrada em vigor em 1-01-2001).
No entanto, o recurso à mediação familiar tanto pode ocorrer antes do recurso aos tribunais preparando-se a homologação judicial do acordo obtido como durante a pendência de um processo (haja ou não contestação/oposição).
Neste último caso, há que suspender a instância judicial por ocorrência de um motivo justificado (artigo 279º, nº 1 “parte final” do C.P.C. “ex vi” do artigo 161º da OTM) e remeter as partes para a mediação familiar.
Se as partes obtiverem um acordo, o juiz em princípio homologa, após parecer do M.P.
Se não conseguirem, então as partes voltam para Tribunal que exercerá os seus poderes de conciliação (impostos pelo artigo 158º, nº 1, al. a) e 177º, nº 1 da OTM), prosseguindo os autos os seus ter legais.
Obviamente, que também será possível a intervenção da mediação judicial, após o processo judicial, prevenindo-se ou solucionando-se situações de incumprimento.
Cumpre ainda falar da mediação familiar no âmbito do D.L. nº 272/2001, de 13-10. No divórcio ou separação por mútuo consentimento, instaurado na Conservatória do Registo Civil, se o acordo apresentado pelos pais sobre o exercício do poder paternal for considerado pelo Ministério Público como não acautelando os interesses do menor e os requerentes não se conformarem com as alterações indicadas, o processo é remetido ao tribunal da comarca a que pertença a conservatória.
Questão que se levanta com interesse prático é o de saber qual o valor jurídico do acordo obtido através da mediação familiar relativamente à regulação de poder paternal de um menor. Esse acordo só adquire eficácia jurídica apenas quando é homologado pelo Tribunal ou pelo Conservador do Registo Civil.

4- Princípios da mediação familiar:
O serviço da mediação familiar desenvolve-se com garantia dos seguintes princípios:
a)- O princípio da “voluntariedade” em que as partes devem ser livres de recorrer à mediação familiar assim como de desistir, a qualquer momento;
b)- O principio da “imparcialidade”: o mediador é imparcial nas suas relações com os pais;
c)- O princípio da “consensualidade” que refere que a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes e que o desenrolar deve ser baseado na intenção genuína de cada um deles;
d)- O princípio da “confidencialidade” que se traduz em que as condições em que se desenrola a mediação familiar deverão garantir o respeito pela vida íntima do casal. Em principio o que é discutido nas sessões de mediação não pode posteriormente usado, salvo acordo das partes, nos processos judiciais, por exemplo;
e)- O principio da “celeridade”, isto é, tentando que da forma mais breve possível se encontra a solução equitativa para o caso concreto;
f)- O principio da “neutralidade”: o mediador é neutro quanto ao resultado do processo de mediação;
g)- Carácter eminentemente pessoal: é a partes que compete participar, pessoalmente, sem prejuízo da assistência jurídica dos seus mandatários judiciais;
h)- Flexibilidade: a mediação deve ser ajustada a cada casal de acordo com os seus desejos e “timing” de cada um;
i)- Extrajudicialidade: a mediação pode dar-se antes de um processo judicial, ou no decurso dele, desde que se suspenda a instância.

5. Quais as vantagens da mediação familiar?
A mediação tem como intuito combater a morosidade e a complexidade dos processos judiciais através da obtenção célere e equilibrada de um acordo.
Além disso, tem como efeito “secundário” promover o diálogo e a capacidade negocial entre os pais bem como sua responsabilização pela educação e bem-estar dos filhos.
A mediação segue a regra de que qualquer acordo entre as pessoas implicadas pela ruptura de uma relação familiar sempre será mais acertada e adequada à situação familiar concreta do que a melhor das sentenças ditadas por um juiz, que necessariamente desconhecerá aspectos pessoais e íntimos que podem ser relevantes para a resolução da controvérsia.
Diminui a incerteza sobre o resultado do litígio.
Reduz os custos do processo, tanto para o Estado quanto para as partes.
Reduz a conflitualidade e promove o diálogo e a cooperação familiar, auxiliando, os seus membros a enfrentarem de uma forma mais digna e menos dramática os impasses e os inevitáveis sofrimentos pessoais decorrentes desses conflitos e garantir a continuidade das relações entre pais e filhos.
Ajuda a diminuir a intensidade emocional, aproxima as posições das partes e implica a busca de uma solução que se pode considerar aceitável.
Não há um perdedor nem um ganhador, mas um esforço comum para encontrar soluções resolutivas dos problemas objecto de conflito.
Enfatiza a responsabilidade pessoal e o exercício da cidadania, evitando a vitimização frequentemente presente nas partes frustradas com a solução judicial.
A maioria das pessoas que têm experimentado a mediação consideram que os acordos alcançados com este procedimento são mais justos e têm mais possibilidades de serem cumpridos no futuro.
Os filhos de pais separados não sofrem tanto pela separação de seus pais, como pela má relação entre eles, a angustiante sensação de que devem tomar partido por um ou por outro e a insegurança de a seguir não serem amados.
Através da mediação os pais definem-se como gestores da resolução dos conflitos, restitui-lhes a competência sobre a função paternal, melhora a sua auto-estima e a sua imagem perante os outros, em especial entre eles e em relação aos seus filhos. Redefinem-se assim como pais competentes e autónomos dispostos a colaborar nos cuidados da sua prol.
A mediação familiar contribui assim para melhorar a justiça de família, possibilitando uma maior adequação, celeridade e eficácia das decisões judiciais e assim o descongestionamento processual nos tribunais e a melhoria das suas estruturas e do seu funcionamento.

6. Quais as críticas que são dirigidas à mediação familiar?
As críticas ao instituto da mediação familiar vêm sobretudo dos EUA. Algumas dessas críticas partem das associações feministas norte-americanas, alegando que a mediação favorece a parte mais forte, e segundo esses movimentos favorece o homem em prejuízo da mulher. Para evitar-se situações deste tipo, deve garantir-se que o consentimento prestado pelas partes seja um consentimento informado acompanhado da assessoria técnica necessária.
Outra crítica tem a haver com a obrigatoriedade do recurso à mediação, contra a prática judicial de penalizar, na decisão, o progenitor que bloqueia o acordo. A obrigatoriedade de cooperação entre os pais, nestes casos, pode constituir uma violação da sua integridade psíquica, gerando depressão e perda de consciência dos seus direitos e da gravidade da ofensa sofrida assim como uma desresponsabilização do autor das violações dos deveres conjugais e dos deveres para com os filhos.
Por outro lado, quando a mediação é mal feita, transforma-se num poder coercivo em que ambas as partes se sentem obrigadas a chegar a um acordo para agradar ao mediador em vez de atingir um acordo genuíno.
Pode-se ainda dizer que a mediação voluntária tem-se revelado contrária aos interesses das crianças. Estas não costumam ser ouvidas pelos mediadores familiares, cujo único objectivo é atingir um acordo e não proteger o interesse da criança.
Outra crítica à mediação familiar revelada pelo resultado de estudos sobre as decisões adoptadas, indica que o número de decisões da guarda conjunta física da criança em casos de relações parentais altamente conflituosas corresponde a um terço das decisões de guarda conjunta, indicando que os mediadores usam esta solução para resolver situações difíceis.
Tem ainda sido denunciada uma maior falta de neutralidade dos mediadores quando comparados com os juízes e uma tendência para aqueles projectarem a sua experiência pessoal nas soluções adoptadas.

7. Posto isto, importa fazer algumas sugestões:
Há situações que no meu entender a mediação familiar é tendencialmente desaconselhável e que a título meramente exemplificativo passo a referir:
-violência doméstica;
-maus tratos infantis;
-consumo de aditivos;
-doenças do foro psicológico ou mental.
-casos em que entre os pais não existe uma relação de igualdade e de respeito recíproco.


8. Conclusões:
O sistema judicial não deve ter o monopólio da resolução dos conflitos familiares de ordem privada.
A mediação familiar não é um substituto à via judicial, mas uma via alternativa e complementar desta.
É preferível um sistema misto (privado e público) que permita o acesso a qualquer pessoa interessada, independentemente do seu nível económico.
A mediação deve ser sempre voluntária sob pena de ser totalmente frustrada.
Não é mediação a actividade desenvolvida por exemplo pelos juízes no âmbito dos processos de divórcio ou de processos tutelares cíveis, no sentido de estabelecimento de acordos sobre o respectivo processo.
Por fim, é necessário que o mediador familiar procure devolver esperança às partes e mostre que a vida não termina com o divórcio e que com o divórcio termina o casamento mas não a paternidade ou a maternidade.
Muito obrigado.

Mário Rodrigues da Silva

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