domingo, março 05, 2006

Os sinais de justiça

Fonte: Correio da Manhã, de 5-03-2006- artigo de opinião do DrºEmídio Rangel, Juiz Desembargador
Decorrido um ano sobre a actividade do Governo é hora de fazer um balanço, no que à área da Justiça diz respeito.
Se é certo que o Governo diagnosticou a sua principal prioridade, ao enfrentar o défice orçamental e a contenção da despesa pública, na área da Justiça, muito por culpa do seu titular, a desorientação e a falta de rumo, são alarmantes.
A Justiça devia constituir um desígnio nacional, impondo a todos uma preocupação acrescida ao pensarem reformas, de acordo com as reais necessidades e assim melhorar a sua qualidade e eficácia.
Porém, o discurso político sobre os temas da Justiça é o ‘déjà vu’; tem mais de quinhentos anos.
Não precisamos de diagnósticos inúteis, mas de reformas eficazes. Nos tempos que correm, o que temos são reformas que ficam prisioneiras dos lóbis partidários ou de interesses instalados.
No domínio do Direito Penal, a Justiça tem sido um verdadeiro laboratório de experiências com medidas que apenas servem para alguns testarem os seus conhecimentos mais ou menos empíricos, à custa do sacrifício do cidadão, que se torna a cobaia dessas experiências.
As medidas são tomadas a conta-gotas, desarticuladas da visão global do sistema, sendo que algumas espelham um amargo de boca, ou um qualquer ajuste de contas, tentando pôr na (des)ordem quem tem a missão de fazer Justiça, sobretudo quando perceberam que já não são só os excluídos sociais e os cidadãos pobres que são apanhados nas malhas da Justiça. Esta é feita também para os ricos e poderosos.
Que dizer da criação de uma comissão, que tem por missão fazer a reforma penal, sem ter na sua composição um único prático do direito, pessoas que, a final, vão aplicar essas medidas?
Que dizer do segredo de justiça?
Ao invés de o aperfeiçoar, deixando ao juiz de instrução decidir da oportunidade da sua quebra, fala-se, agora, na punição da violação desse segredo, por via de dois crimes: o “crime de dever” e o “crime de perigo”, este último para punir os jornalistas e o primeiro, para as pessoas dentro do sistema. O que deste modo se consegue mais facilmente, é criminalizar a liberdade de expressão e punir o jornalista, deixando impunes aqueles que verdadeiramente violam o segredo.
E que dizer da confusão instalada à volta das escutas telefónicas, com a criação de ‘comissões de controlo’?
O importante era dar condições aos juízes para cumprimento do controlo legal das intercepções telefónicas nos termos indicados pela lei. Ou será que, para os nossos governantes, a lei é pura cosmética?
Que dizer da criação de uma justiça ‘a la carte’, quanto à pequena criminalidade?
É sempre a mesma coisa, como não se consegue dotar o sistema de eficácia, por falta de meios (ou falta de vontade política), retira-se da alçada dos tribunais este tipo de crimes, que passam a ser “julgados ”por mediação. Daí até à negociação da culpa e da pena vai um pequeno passo.
Que na economia haja o sentido de urgência, ainda se compreende. Na Justiça, a urgência é pensar as medidas. E sem Justiça, não há nem sistema financeiro sustentado que possa perdurar, nem uma fiscalidade eficaz.
Como se tudo isto não bastasse, temos, ainda, o confronto gratuito e escusado com o Poder Judicial.Espero que a eleição do novo Presidente da República ajude a inverter este estado de coisas e traga bons ventos e serenidade à governação socialista na área da Justiça, que tem deixado muito a desejar.

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