Apesar de Pascoal José de Mello Freire, arauto do ideário iluminista e liberal, ter invectivado, já em 1794, a “célebre e escandalosa diferença”, nem todas as desigualdades morreram no século XIX. Assim, o Código Penal de 1886 cominava, para o adultério da mulher, prisão de dois a oito anos, ao passo que fazia depender a punição do marido adúltero de ele ter “manceba teúda e manteúda na casa conjugal”, atenuando a pena para multa de três meses a três anos.
Mesmo o Código em vigor, aprovado em 1995, continua a permitir certas discriminações. É o caso, já censurado pelo Tribunal Constitucional, dos actos sexuais com adolescentes com mais de catorze e menos de dezasseis anos. Tratando-se de actos heterossexuais, a punição depende do abuso da inexperiência da vítima. Se estiverem em causa actos homossexuais, o agente é sempre punido, mesmo que não abuse dessa inexperiência.
Mas não é só no domínio dos crimes sexuais que podemos surpreender discriminações discutíveis. Por exemplo, a previsão de regimes especiais para titulares de cargos políticos não será sindicável à luz da igualdade? Na realidade, nada parece justificar a consagração de tais regimes. Também os ‘políticos’ podem cometer crimes de homicídio, violação, sequestro ou roubo, pelos quais devem ser punidos nos termos gerais.
Todavia, há especialidades a assinalar. Em primeiro lugar, os titulares de cargos políticos desempenham funções que requerem especial idoneidade e a confiança dos seus concidadãos. Por isso, a Constituição prevê que “a lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos”. A punição de tais crimes com maior severidade, por força de uma lei de 1988, não contraria a igualdade, visto que a discriminação encontra aí fundamento racional.
Num outro plano, a Constituição prescreve que o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal da Justiça por crimes praticados no exercício das suas funções. Este regime, extensivo ao presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro, também não viola a igualdade. E a possibilidade de criar um foro especial para governantes e deputados, para crimes cometidos em idênticas circunstâncias, justifica-se nos mesmos termos: pretende--se garantir ainda o máximo respeito pela separação e interdependência de poderes.
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