segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Magistrado acusa policia de não cumprir o papel

Segundo noticia publicada no Correio da Manhã, de 5-02-2006


De uma forma polida, a juíza atacou as assistentes sociais, as comissões atacaram os juízes, o Ministério Público atacou a PSP e a GNR. Aconteceu sexta-feira, durante uma conferência na Universidade Lusófona sobre a Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens.
Coube a José Ramos, procurador adjunto do Ministério Público, a intervenção mais polémica. Disse o magistrado que “a PSP e a GNR entendem que o trabalho das comissões é uma perca de tempo”. Antes de intensificar as críticas, realçou que sabia do que falava porque foi polícia durante nove anos.“Muitas comissões de menores deveriam ter um representante da PSP ou GNR, mas não têm porque as forças de segurança entendem que essa não é a sua missão. Pensam que o trabalho deles é andar aos tiros.”Declarações que não caíram bem na cúpula das forças visadas. Primeiro foi a direcção Nacional da PSP que disse desconhecer casos de falta de participação e de desinteresse dos agentes que integram as comissões. Seguiu-se a GNR, a manifestar empenho da corporação na protecção dos menores.
A conferência, que visava um olhar crítico sobre a Lei de Protecção de Crianças e Jovens, acabou por concentrar as atenções no sistema, na falta de meios, nas más práticas e na falta de formação dos técnicos.
Quem mais crucificou os técnicos foi a juíza Teresa Bravo, que os acusou de não visitarem as famílias nem falarem com os vizinhos e de elaborarem relatórios com juízos de valor a mais e factos a menos. 'PEDIMOS PARA COMETEREM CRIME'“Às vezes quase que pedimos para cometerem um crime. Chega a ser perverso.” O desabafo é da juíza do Tribunal de Família e Menores de Setúbal, Teresa Bravo, a pensar nos miúdos que estão a cargo das instituições da Segurança Social, em regime de porta aberta e cujas fugas é impossível conter. O CM tem vindo precisamente a acompanhar casos de menores que não são considerados delinquentes e que fogem destes centros para cometerem pequenos ilícitos.
A conferência da Lusófona revelou que este é um tema que já preocupa os especialistas há algum tempo, ao ponto de desejarem que sejam punidos como delinquentes e não como menores em risco.“Se cometer um crime, está resolvido, vai para um centro educativo e fica lá quietinho”, frisou a juíza.
Na mesma linha de pensamento, o procurador do Ministério Público defende a criação de regras de instituição fechadas para este tipo de menores. “É preciso proteger as crianças contra elas próprias”, disse, sublinhando que há miúdos de 12 anos que já traficam armas e mexem em droga, andam de Porsche com o traficante e fazem o que querem. “É impossível afastá-los da rua.”
BODES EXPIATÓRIOS
A defesa das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens esteve a cargo de Armando Leandro, presidente da estrutura a nível nacional. Disse o conselheiro que “não se devem procurar bodes expiatórios fáceis”, porque as comissões não têm meios nem instrumentos legais que lhes permitam outro tipo de actuação. “Temos de melhorar muita coisa, sobretudo, o pensamento e a acção. A ética do poder e do poderzinho é que estraga tudo.”
ENTRE O PAPEL E A REALIDADE COMISSÕES
As forças de segurança têm assento nas comissões. São obrigadas a estar nas reuniões alargadas. Nas outras, está o presidente da comissão, o município e a Segurança Social
.LEGISLAÇÃO
Os participantes na conferência chegaram à conclusão de que a Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens é boa, simples, escorreita e de fácil interpretação.
MENORES
Portugal tem, segundo o director do Refúgio Aboim Ascensão, cerca de 100 mil crianças em risco. Há 10 mil menores em instituições e seis mil em famílias de acolhimento.
QUEIXAS
“A comissão de Palmela tem um carro que a câmara disponibiliza à quarta-feira. Se na segunda tiverem de se deslocar a Águas de Moura, vão de transportes ou pedem boleia à GNR. Mas como a GNR não tem verba para o gasóleo têm de ir de camioneta. Vão de manhã e regressam à tarde. Deixam de atender nove crianças.”José Ramos, procurador adjunto do MP
“As pessoas das comissões não estão a tempo inteiro e os serviços de origem não percebem a sua função. São mal vistos e dizem-lhes: ‘Vais lá, passas uma horinhas e já está.”Idem
“Quem detecta as situações também acha que é polícia. Conheço casos em que investigam primeiro e denunciam depois.”Idem “Os relatórios sociais têm muito juízos eruditos, mas não dizem nada sobre o menor. Eu quero saber se a casa tem frigorífico, água e luz, quem trabalha lá em casa, se o miúdo bate nos pais, se fuma haxixe. É preciso ser directo. E não vale entrevistas por telefone. ”Teresa Bravo, juiz de Direito
“Em Setúbal aparecem muitos casos às quatro da tarde de sexta-feira. O posto da polícia está aberto e até se consegue, através da linha 144, uma colocação institucional para a criança... só que não há técnicos para os acompanhar.”Idem“A GNR de Penamacor telefonou-me a dizer: ‘Eu até levava a criança, mas não temos cadeirinha’.”Idem“O juiz de Setúbal tem de pedir as perícias ao Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Este, depois, envia o pedido ao hospital da residência do menor, que pode ser em Setúbal.”Idem

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