"Imoral", "injusto" "despropositado e desproporcional". É assim que tanto partidos políticos, como juízes, especialistas em direito de família e associações ligadas à adopção reagem ao fim da insenção da taxa de justiça para quem queira encetar um processo de adopção. A partir de Setembro, e no âmbito do nova lei das custas judiciais, os candidatos a pais adoptivos terão de pagar 576 euros para iniciar o processo judicial com vista à adopção.
Para o Ministério da Justiça, trata-se de prevenir a "excessiva litigância neste campo do direito", com a lei a reflectir a "necessidade de acautelar uma certa contenção no recurso ao tribunal". Mas, se o fim das isenções pode fazer sentido para evitar a "colonização dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja actividade representa uma fonte constante e ilimitada de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor" - como é justificado no preâmbulo da lei -, os mesmos argumentos não são aceites por alguns especialistas para os processos de adopção.
"A adopção é um processo que só pode decorrer em tribunal, não existem outros meios alternativos", lembrou o juiz de Direito do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, António José Fialho. Por outro lado, o juíz refere que o valor de 576 euros é "desproporcional" ao tipo de diligências efectuadas, pois "este tipo de processos tem pouca litigiosidade".
Igual leitura faz a especialista em Direito de Família, Clara Sottomayor, para quem este tipo de processos não tem qualquer litigância, ao contrário de outros relativos à confiança judicial para a retirada de crianças à guarda dos pais para que fiquem em situação de adoptabilidade".
A professora da Universidade do Porto acrescenta que "mesmo que se devolva o valor pago, há uma questão ética e simbólica". A lei prevê que , caso não haja encargos, o valor será devolvido, deduzida de custos com diligências especiais ou passagem de fotocópias, por exemplo. Reconhecendo que "não será pelo dinheiro que as pessoas deixarão de adoptar", Clara Sottomayor defende que "o Estado deve colaborar com estes cidadãos no cumprimento do direito da criança a ter uma família".
Para o director do Refúgio Aboim Ascensão, a cobrança daquela taxa onera e dificulta o processo de adopção, pelo que, considera, deve ser eliminada. "Sou contra qualquer espécie de medida que complique um processo de adopção", disse Luís Vilas Boas, acrescentando que "o Estado não tem o direito de cobrar a quem está disponível para ser família". Até porque, sublinha, "dinheiro não rima com adopção".
É também esse o entendimento da Associação Bem Me Queres, que apelida o fim da isenção de "imoral e socialmente injusto", por dificultar ainda mais um dos possíveis projectos de vida de milhares de crianças institucionalizadas. Até porque, sustenta, em termos económicos, cada criança que é adoptada é menos uma criança que o Estado tem a seu cargo".
Fonte: Diário de Noticias, de 4-04-2008.
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