O Tribunal de Família e Menores do Funchal tinha, no final do mês passado, 121 processos de promoção e protecção de menores. Estes são os processos relacionados com maus tratos praticados sobre os menores, nomeadamente os abusos sexuais.
A estatística do tribunal não separa os abusos sexuais dos outros maus tratos, pelo que não é possível saber quantos processos de abusos sexuais resolveu ou tem para resolver o Tribunal de Família de Menores do Funchal.
De qualquer dos modos, as estatísticas disponíveis mostram que o ano de 2007 começou com 243 processos de promoção e protecção pendentes e que, após a entrada de 126 novos processos e a resolução de outros 248 casos, o tribunal tinha, no final de Novembro, 121 pendências. Entre pendentes e entrados, o tribunal recebeu 389 processos de maus tratos nos primeiros 11 meses do ano.
«Tem aumentado ligeiramente o número de casos», comenta o juiz do Tribunal de Família e Menores, que justifica a tendência com a «maior sinalização dos casos» e nem tanto com a ocorrência de mais factos.
Apesar de haver maior «atenção» e «vigilância» da sociedade em geral, refere o magistrado judicial, estes «continuam a ser casos de difícil detecção», nomeadamente os das crianças que não vão à pré-escola e vivem em núcleos familiares completamente desestruturados.
Quando um caso de maus tratos é detectado, a decisão é célere. Em situações de emergência, «a polícia tem a possibilidade de fazer uma intervenção sem a autorização do tribunal, mesmo com a oposição dos pais», ainda que essas acções tenham de ser validadas pelo tribunal no prazo de 48 horas.
Actualmente, há muitos meios de ajuda aos menores e estes podem queixar-se em várias instituições, tais como os centros de acolhimentos, os lares de juventude, as comissões de protecção de crianças e jovens, as entidades policiais e os serviços do Ministério Público.
Porém, os casos chegam normalmente ao tribunal a partir das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Se houver crime, a investigação sobre o agressor suspeito decorre separadamente e o julgamento ocorre num tribunal criminal. O Tribunal de Família e Menores actua sobre a vítima, ou seja, ao nível do apoio e protecção do menor.
Quando uma criança está em perigo, o tribunal pode determinar o apoio junto dos pais ou de outro familiar ou a confiança a pessoa idónea, o acolhimento familiar, o acolhimento institucional e, nos casos mais graves, em que, de facto, haja uma incapacidade parental dos pais para criar um ambiente de segurança às crianças, pode ser aplicada a medida de confiança judicial, com vista a futura adopção, tendo em conta a idade da criança.
«Portanto, estas são as medidas que o Tribunal de Família e Menores pode aplicar», explica Mário Rodrigues da Silva.
«Há pouco investimento na infância»
O juiz do Tribunal de Família e Menores do Funchal diz que «há muita gente empenhada» nas questões relacionadas com os menores, «mas pouco investimento».
«Há muita gente empenhada nestas questões, mas pouco investimento, com toda a franqueza», diz Mário Rodrigues da Silva.
O juiz entende, aliás, que «tem havido uma certa desatenção dos governos em relação à matéria da infância» na Madeira.
«Por isso é que eu acho que na própria estrutura do Governo Regional, embora não seja muito habilitado para estar a fazer juízos, poderia haver uma Direcção Regional de Infância, que coordenasse tudo isto, porque eu também noto que há sectores que estão aqui divididos por várias Secretarias Regionais e não vejo ninguém que faça essa articulação», disse o magistrado judicial, convidando quem «tem a capacidade de decidir politicamente» a «pensar nisso».
Há “igualdade” mas a mãe é que fica com os filhos.
O número de processos sobre a “luta” entre os progenitores pela guarda dos filhos continua a ser «residual» no Tribunal de Família e Menores do Funchal, apesar de haver cada vez mais homens a querem cuidar dos filhos.
Nos termos da lei, «há igualdade entre os progenitores para a guarda da criança», mas a “regra” continua a ser a mãe ficar com as crianças. Há, no entanto, o aumento do interesse dos homens em querer ficar com os filhos, o que faz com que os pais fiquem com os rapazes na faixa da adolescência, enquanto que as «crianças de tenra idade» ficam, quase sempre, com a mãe. Nos casos em que o pai decide lutar pela guarda do filho ainda criança há por detrás, normalmente, um comportamento de «natureza moral reprovável» da parte da mãe divorciada.
Ainda assim, para os pais avançarem, precisam de ter a «retaguarda dos avós paternos», diz o juiz. «
É que, às vezes, quando o pai diz que quer ficar com o filho, não é ficar mesmo. Quem fica são os avós, porque ele não tem capacidade», por desconhecimento dos cuidados e procedimentos a ter com a criança.
Fundação poderá ajudar “meninos de rua”
O juiz Mário Rodrigues da Silva diz que a fundação de apoio à criança, criada recentemente e chefiada pelo antigo secretário regional do Turismo e Cultura, João Carlos Abreu, pode desempenhar um papel importante de ajuda aos “meninos de rua” ou “meninos das caixinhas”.
«Faz-me impressão assistir a esses casos» de jovens que andam de rua em rua no Funchal a pedir dinheiro, confessa o juiz, mas pior é «a falta de resposta que existe na Região, nomeadamente ao nível de instituições para esta problemática», lamenta.
Apesar de sublinhar que não conhece os objectivos desta nova fundação, o juiz acredita que a instituição pode trazer outro fôlego ao combate a esta problemática e abrir portas para os “meninos das caixinhas” encontrarem um novo mundo, onde possam estimular, em ateliers de arte, por exemplo, a sua criatividade e interesse e, simultaneamente, perder a vontade pela rua, à semelhança do que faz o Chapitô, em Lisboa.
O juiz faz ainda notar que o «turismo do mundo ocidental é cada vez mais incompatível com esses fenómenos de crianças a mendigar», antes de reconhecer a actual falta de resposta da sociedade, do sistema judicial e das estruturas de apoio ao tribunal, face ao problema de «todas as instituições estarem lotadas».
Mário Rodrigues da Silva encontra, aliás, várias deficiências no sistema madeirense e acusa os governos regionais de terem «uma certa desatenção» para com a «matéria da infância».No “rol” de equipamentos que a Madeira precisa, o magistrado judicial fala da necessidade de haver uma «instituição adaptada a jovens grávidas», pois hoje elas «engravidam e têm de ser colocadas fora da Região, por não haver instituições aqui».
Há também um «fenómeno de jovens consumidores de estupefacientes» na Madeira, aponta o juiz, mas «não há uma comunidade terapêutica que permita o internamento desses jovens». Depois «há a necessidade de, um dia destes, começar a funcionar o Centro Educativo (no Santo da Serra) para que paremos de mandar para o continente os jovens delinquentes», disse.
No campo do ensino, o juiz defende o aumento do número de cursos de formação profissional para jovens dos 15 a 16 anos, por forma a que possam estar capacitados para entrar no mercado de trabalho. «Continuamos a ter muitos jovens sem a escolaridade obrigatória, que não conseguem ingressar no mercado de trabalho», alerta.
Também necessário, aponta o juiz, é ter locais próprios e adequados onde os pais divorciados possam encontrar-se e estar com os filhos. Actualmente, «há muitos conflitos», devido aos incumprimentos dos direitos de visita. Há casos em que a violência é tal que as visitas são suspensas ou interditadas.
Daí a necessidade dos chamados “Passos de Encontro”, que já têm alguma experiência no país, e onde existem profissionais como psicólogos e assistentes sociais que fazem uma mediação das visitas, de forma a que os pais tenham acesso aos filhos e não percam o contacto com os filhos».
O mais produtivo
O Tribunal de Família e Menores do Funchal resolve entre 1.500 a 2.000 processos por ano, o que faz dele «o mais produtivo do país», afirma o juiz Mário Rodrigues da Silva.
Devido a estes resultados «as pessoas não têm de esperar muito» por uma sentença, mas aguardariam ainda menos se os exames requeridos ao hospital fossem feitos mais rapidamente.
«Aqui, o único grande problema que nós temos é o atraso ao nível dos exames que são solicitados ao hospital, nomeadamente os exames pedopsiquiátricos, psiquiátricos e de avaliação das capacidades parentais», queixa-se o juiz Mário Rodrigues da Silva, referindo que os exames «podem demorar um ano».
«Eu não acho isso normal. Eu já me revoltei várias vezes, mas alegam que não têm condições, são poucos os pedopsiquiatras e psiquiatras do hospital», desabafa o juiz do Tribunal de Família e Menores.
Não é que o tribunal peça muitos exames, esclarece o juiz, «eles possivelmente é que têm muito serviço». Por ano, o tribunal pede entre 50 a 100 exames.
Mário Rodrigues da Silva sabe que «o volume do serviço não é só do tribunal», mas lamenta que haja «pouca sensibilidade para o que está em causa», considerando que aos exames pedidos pelo tribunal deveria ser dada «uma certa prioridade».
Dada a demora na resposta, o tribunal está a optar ultimamente por pedir exames psicológicos, por terem resposta mais rápida.
Zona rural acolhe mais crianças
A maior parte das famílias de acolhimento na Madeira são da zona rural e têm baixos rendimentos.A classe média alta do Funchal «normalmente não está na disposição de servir de família de acolhimento», diz o juiz Mário Rodrigues da Silva, do Tribunal de Família e Menores do Funchal, que não crê que o novo regime para as famílias de acolhimento, recentemente aprovado e que contempla uma verba de até 300 euros, venha «alterar muito» o quadro.
«Não podemos transformar isto numa questão de dinheiro, porque senão qualquer dia tínhamos famílias de acolhimento só pelo dinheiro», adverte.
Também «a parte económica não é assim significativa», já que «os descontos para o IRS continuam a não se poder fazer na educação da criança». Depois, as pessoas da classe média alta do Funchal têm normalmente uma vida profissional mais intensa, e, tenham ou não tenham filhos, pouca disponibilidade têm».
O juiz confessa que gostava que houvesse mais famílias de acolhimento no Funchal, na medida em que esta é a cidade capital e tem quase metade da população da ilha. Neste momento, «acho que o número é insignificante, em termos percentuais», lamenta o magistrado judicial, referindo que há «mais famílias para Santana, São Jorge, para zonas rurais».
Ler noticia integral em Jornal da Madeira, de 25-12-2007.
Sem comentários:
Enviar um comentário