A atribuição do poder paternal já não é um acto exclusivo das mães. Os tribunais portugueses, cada vez mais, começam a colocar no mesmo patamar ambos os progenitores, valorando da mesma forma as qualidades e fraquezas de cada um.
Exemplo disso é um acórdão datado do passado dia 18 de Outubro, do Tribunal da Relação de Lisboa. Maria (nome fictício) luta há cinco anos pela custódia do filho, de nove anos, provisoriamente a viver na companhia do pai, na casa dos avós paternos.
A Relação veio mais uma vez dizer que não tinha razão. E entendeu que, sendo o progenitor a figura de “referência” daquela criança, deve a mesma manter-se no ambiente familiar que conhece. Embora reconheça que a mãe tem uma situação económica e familiar normal, é extremosa e tem boas condições para criar o filho. “Quando há que decidir a qual dos progenitores deve ser atribuída a guarda do menor, o processo de decisão começa por uma selecção negativa, isto é pela procura de aspectos a apontar frontalmente contra a atribuição da guarda a um dos pais”, lê-se no acórdão, onde se refere não haver dúvidas em afirmar de “que é o pai, associado aos avós paternos, a figura de referência do menor”.
MUITO TEMPO COM OS AVÓS
A mãe luta há cinco anos pela custódia da criança, que ficou a seu cargo após o divórcio, mas quando ainda não frequentava a escola primária passava grande parte do seu tempo em casa dos avós.
Por insistência dos mesmos, pode ler-se no acórdão, o menor ficava a dormir várias vezes na casa dos familiares paternos. Foi criando fortes ligações e estabilidade ao ponto de, hoje, se sentir perfeitamente integrado no ambiente familiar.
Dizem os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa que estas circunstâncias não podem ser ignoradas. E que, por isso, o menor deve manter-se onde se sente bem, embora continue a ter com a mãe uma saudável relação familiar. “O tribunal tem de acautelar o interesse do menor”, concluem os juízes, afirmando que uma decisão judicial não deve ser alheia aos interesses do mesmo menor, o principal beneficiado com o exercício da regulação paternal.
A vontade do rapaz também é valorada. E este afirma que pretende manter-se na companhia do pai e dos avós, embora revele aceitação ao ambiente familiar da mãe.
Os juízes concluíram que, sendo ambos os progenitores capazes de educar a criança, a escolha deve recair sobre o pai, dado a forte relação afectiva entre ambos.
RETIRADA DA GUARDA DOS AVÓS
O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu de forma diferente. Num caso de custódia envolvendo uma adolescente, os juízes decidiram que a menor deve ser retirada aos avós, com quem vivia, para ir morar na companhia do pai. Em causa está a morte da mãe da menor, que tinha a seu cargo a custódia da filha, sendo que aquela, por isso, vivia no seio da família materna. Com a morte da progenitora, o tribunal entendeu que a custódia passa automaticamente para o pai vivo e não abre portas a nova regulação do poder paternal.
Os avós não se conformam e têm vindo a recorrer da decisão. A menor, mesmo assim, apresenta algumas dificuldades de socialização, revelando problemas escolares e baixo rendimento. A menor garante pretender ser seu desejo ficar com os avós, o que não foi valorado. Os juízes promoveram a sua entrega ao pai, ainda que possa manter contactos regulares com a família materna.
MUDANÇA DE PARADIGMA
Vaz das Neves, juiz presidente no Tribunal da Relação de Lisboa, disse ao CM que esta decisão, ainda passível de recurso, revela uma mudança de mentalidades na própria sociedade. “Passei alguns anos nos tribunais de família e as circunstâncias antigamente eram outras. O poder paternal era normalmente atribuído às mães por serem aquelas que tinham um maior desejo de ficar com os filhos, por terem mais tempo para os criar. E também por os pais pouco reclamarem a custódia das crianças e aceitarem que estas ficavam melhor com as mães”, recorda o magistrado, que lembra as mudanças verificadas nos últimos anos: “Hoje, os pais são muito mais presentes na educação das crianças, as mães também têm profissões cada vez mais exigentes, que as colocam num plano de igualdade com os homens. É normal os tribunais acompanharem esta mudança de paradigmas da sociedade.”
Refira-se ainda que esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa confirma uma outra tomada pela primeira instância, mas ainda é passível de recurso.
Ler noticia integral em Correio da Manhã, de 2-11-2007.
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