terça-feira, novembro 06, 2007

O Tribunal de Família e Menores do Funchal funciona sem psicólogos e psiquiatras. À espera dos exames externos, os processos só podem demorar



O Tribunal de Família e Menores do Funchal (TFMF) não tem um quadro de psicólogos e psiquiatras, nem sequer em regime de avença, para dar resposta aos exames da especialidade em tempo considerado aceitável. Há exames que demoram um ano a serem feitos, o que atrasa os processos. Um alerta feito ao DIÁRIO pelo juiz-presidente do TFMF, Mário da Silva.
Os madeirenses foram surpreendidos, este fim-de-semana, com a notícia de que uma mãe terá alegadamente matado a filha com um produto tóxico, tendo também tentado suicidar-se pela mesma via. Muito se especula sobre o caso que está agora em segredo de justiça. Mas, entre várias considerações, comenta-se que os distúrbios de ordem mental da progenitora terão também contribuído para o crime. Os profissionais da justiça não andam a reboque de especulações nem falam de processos em concreto. Mas uma coisa é certa: ninguém espere encontrar no tribunal, ao lado do juiz, um psicólogo ou um psiquiatra para acompanhar os processos de regulação do poder paternal dos menores ou sequer orientar os juízes e pais nas inúmeras diligências que são feitas.
Neste momento, a justiça solicita a avaliação psiquiátrica ou psicológica a entidades externas (centros de saúde, Instituto de Medicina Legal e hospital) que levam largos meses a apresentar relatório, facto que atrasa os processos.
O juiz Mário da Silva defende a criação, nos tribunais, de equipas de assessores para a realização rápida dos exames e acompanhamento das partes envolvidas nos processos e respectivas decisões.
À espera da Segurança Social
Mário da Silva explica que já sugeriu, há alguns meses, ao presidente do Centro de Segurança Social da Madeira a possibilidade de vir a ser estabelecido um protocolo no sentido de o departamento de psicologia e de psiquiatria poder disponibilizar técnicos para prestar apoio especializado, aliás como acontece no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, com uma experiência-piloto. Um pedido que, até agora, continua sem resposta.
Além do mais, as limitadíssimas instalações do TFMF, à Rua da Conceição, nem margem têm para a desejada ampliação de espaço.
Mas há ainda outras incongruências. Diz o juiz: "Acho estranho que as comissões de protecção de menores trabalhem com psicólogos e não tenham juristas e, do lado dos tribunais, haja os juristas e não os psicólogos." Um desajustamento evidente. Compete, porém, ao poder político acertar as agulhas. Na Região, como há competências partilhadas entre os Governos Regional e da República, a resolução do problema não parece estar facilitada.
Como qualquer outro cidadão, o juiz-presidente Mário da Silva diz lamentar a tragédia deste fim-desemana e, sem entrar em dados concretos do processo, sublinha que "o ocorrido nada tem a ver com qualquer decisão tomada pelo Tribunal no sentido da protecção do menor".
Ao que o DIÁRIO apurou, a retirada da menor à mãe Ana Cristina, aconteceu há cerca de duas semanas, tendo a criança sido confiada à instituição de acolhimento - Fundação Zino. É prática do Tribunal continuar a acompanhar a execução das medidas e, de seis em seis meses, rever as decisões, graças também aos rela-tórios das Equipas Multidisciplinares de Apoio da Segurança Social.
Falta de apoios efectivos?
No caso do homicídio de sexta-feira, o advogado que representou a mãe da menor no processo de regulação paternal lamenta que as autoridades oficiais não prestem apoio efectivo - monetário e não só - para que a mãe pudesse manter a menor à sua guarda e reabilitar-se. Afirma mesmo que há sim boa vontade nos vários departamentos, mas os apoios materiais são muito reduzidos, podendo eventualmente levar a situações de desespero que culminam em tragédia.
Novamente sem entrar neste caso, o juiz Mário da Silva tem outra visão do problema: "Os meios existem e há uma grande vontade em ajudar, mas é preciso que as pessoas adiram." Inclusive, acrescenta, "há casos de perturbação mental em que as próprias pessoas recusam o tratamento." Portanto, o que se verifica é que "há pessoas a aproveitar os apoios, mas há outras que não conseguem superar os vícios". Além disso, há também casos "de reabilitações temporárias", com recaídas. Em todo este universo, "procura-se acautelar o bem superior da criança".
Mário da Silva também recorda que "há pais a viver num estado de dependência total dos apoios estatais. Por isso mesmo, dizem que não estão para trabalhar".
Nada justifica o crime.
É certo que os apoios são sempre considerados insuficientes. Mas, no homicídio deste fim-de-semana, lembra o juiz que a questão central é "um crime", e não há nada que o possa justificar.
Também o Centro de Segurança Social da Madeira deixa claro que nenhuma criança é retirada aos pais por falta de dinheiro. Bernardete Vieira fala em apoios monetários e psicossociais. No primeiro caso, os apoios não são lineares e variam consoante as problemáticas e necessidades diagnosticadas nas famílias. Por isso mesmo, não fala em valores.
O apoio psicossocial é diversificado (desde a criação de condições de alimentação a formação e promoção de competências). Também a intervenção da Segurança Social não termina com o afastamento da criança dos pais. Relativamente aos prazos, no âmbito dos processos de promoção e protecção, as respectivas medidas têm a duração estabelecida no acordo ou decisão judicial.
Quanto ao processo em concreto, sabe-se que a Segurança Social prestou apoio aos pais e à menor que morreu. Mas Bernardete Vieira não fornece qualquer informação sobre o assunto. A administradora lembra que o processo está em segredo de justiça e, por isso, opta pelo silêncio.
Ler noticia integral em Diário de Noticias da Madeira, de 6-11-2007

1 comentário:

Anónimo disse...

não posso deixar de lhe dar os parabéns pela noticia, pela denúncia.
a falta de técnicos é realmente assustadora e estende-se a vários pontos do país.
não existem nos tribunais, não existem nas comissões, não existem nas Instituições de acolhimento.
desta forma, os processos aguardam meses e meses, anos pela elaboração de relatórios e quando eles vêm...muitas vezes...valha-nos Deus! mais valia...
é uma área que infelizmente é olhada por todos como de segunda e só quando as noticias nos revelam históricas mais trágicas se fala dela.
enquanto isso todos os dias dezenas de crianças vivem numa espécie de limbo, com as suas vidas presas a esses relatórios que tardam em chegar.
continue, lutando por elas.