quinta-feira, setembro 13, 2007

Pais passam de protectores a agressores


A agressão dos pais aos próprios filhos faz também parte do quotidiano madeirense. Além do pai, a mãe também é autora das agressões e os casos que passam pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca do Funchal têm aumentado ano após ano, à conta das denúncias de particulares.
De vítimas a possíveis agressores. É assim que passou a ser visto pela opinião pública o casal McCann no mediático caso do desaparecimento da filha Madeleine. Nos últimos dias, na Madeira, uma mãe tentou envenenar o filho, recém-nascido. Anteontem, em Viseu, uma mãe mata os filhos e suicida-se. Salvaguardadas as diferenças dos casos, os mesmos não deixam de inspirar o terror e de confrontar a sociedade com um problema: pais que passam de protectores a agressores.
Mário Silva é o juiz-presidente do Tribunal de Família e Menores da Comarca do Funchal. Com parcos recursos e exíguas instalações, lá vão sendo despachados os processos com o denominador comum da desestruturação familiar. Sem rodeios, até porque o excesso de trabalho não permite, assume que "a Madeira, como qualquer outra região, tem casos de pais agressores". E ninguém pense, ressalva o juiz, que é só o pai que agride. A mãe entra neste enredo de violência. As agressões são materializadas em maus tratos físicos e psicológicos, incluindo abusos sexuais.
A maior parte das crianças que são acolhidas em instituições oficiais não é vítima de agressão mas de negligência familiar na prestação dos cuidados básicos (alimentação, higiene, saúde...).
O juiz não tem estatísticas porque lida é com processos e deixa a contabilidade para outro patamar de responsabilidade. Mas revela que o número de pais agressores tem aumentado, muito em consequência das denúncias públicas feitas por professores, amigos, vizinhos. É certo que a denúncia tem de ser acompanhada da prova. E chega a haver denúncias falsas, por conta das rivalidades entre vizinhos e famílias. Mas, separado o trigo do joio, os casos de agressão dos progenitores são uma dura realidade. Instituições e técnicos empenham-se. Mas faltam ainda muitas estruturas (vide quadro ao lado).
A visão do juiz
Chega a todas as classes. O juiz Mário Silva revela que a violência familiar é um "problema transversal". Por isso, "não escolhe classes sociais." A diferença reside noutro aspecto: "Os casos com maior visibilidade são aqueles que envolvem famílias com menos recursos económicos." Além disso, o facto de as famílias serem acompanhadas pelas comissões de crianças e jovens em perigo dá-lhes visibilidade, apesar do sigilo com que os processos são naturalmente tratados. Os pais agressores com recursos conseguem sempre encobrir mais o problema ou então procurar apoio privado.
O Tribunal de Família e Menores incide a sua acção sobre o Funchal, Câmara de Lobos e Santana. Os processos de progenitores agressores têm uma maior incidência em Câmara de Lobos e nas ditas zonas altas do Funchal, particularmente em Santo António. Os bairros sociais são também onde surgem normalmente estes problemas.
A visão do psicólogo
Personalidade dupla
Não há um perfil único de pais agressores. A escala é variável como o são as situações e as motivações. Quem o diz é a psicóloga Manuela Parente, directora também do Centro de São Tiago, que acompanha as situações de toxicodependência. Nos casos mais graves, Manuela Parente esclarece que se está perante "pessoas doentes, com perturbações graves da personalidade." Não se trata de depressão ou neurose ou ainda do simples acto de estar doente e ir ao médico para resolver logo o problema. "É algo de mais profundo, que se desenvolve na pessoa sem que esta tenha consciência da sua perturbação e que a leva a ter comportamentos graves, que depois os nega a si própria e aos outros. No entanto, do ponto de vista social, até pode ser uma pessoa pacata e simpática. São pessoas que vivem na dualidade da sua personalidade." Os actos tresloucados são, por vezes, legitimados pelos seus autores por negação.
O que falta fazer?
Formar equipas de rua para acompanhar os chamados 'meninos de rua' ou das 'caixinhas'.
Criação de uma instituição de acolhimento de jovens adolescentes grávidas.
Criação de uma instituição de acolhimento de jovens dos 15 aos 18 anos com problemáticas heterogéneas, acabando-se com a mistura de jovens em estabelecimentos com problemáticas diferentes.
Mais vagas nas instituições.
Novo centro de acolhimento para crianças de tenra idade em perigo.
Implementação de um centro educativo para a colocação de jovens delinquentes, que cometem ilícitos, entre os 12 e os 16 anos de idade. À falta desta estrutura, os jovens madeirenses são colocados nos estabelecimentos do Continente.
Maior articulação entre os serviços oficiais de apoio à criança.
Respostas mais céleres aos exames psicológicos e psiquiátricos pedidos pelos tribunais às instituições de saúde.
Mais técnicos, sobretudo psicólogos e assistentes sociais.
Perfil do agressor
Distúrbios mentais
Alcoolismo (uma praga na Madeira)
Consumo de estupefacientes
Situações de stress diário
Má formação de base
Muito egoísmo dos pais ao se recusarem a fazer os sacrifícios necessários para acompanhar os filhos.
Fonte: Diário de Noticias da Madeira, de 13-09-2007.

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