sexta-feira, agosto 24, 2007

Ainda as Férias Judiciais


Confesso que há muito tinha a intenção de escrever sobre a questão das chamadas férias judiciais. No entanto, só agora com o aproximar do fim das “encurtadas” férias judiciais, é que me dispus a fazê-lo.
Devido aos inúmeros escritos que têm sido publicados nos jornais e em blogues pessoais sobre este tema seguramente que algumas das ideias que vou expressar neste artigo já foram largamente abordadas nesses escritos.
Conforme, escreveu o Dr. Raposo Subtil, in ROA, nº 37, Maio/Junho, de 2005) “O Decreto n.º 13809, de 22/06/1927 (o primeiro Estatuto Judiciário) determinava que as férias judiciais decorriam entre 23 de Dezembro a 2 de Janeiro inclusive, a segunda e terça-feira de Carnaval, o Domingo de Ramos até segunda-feira de Páscoa inclusive, e de 1 de Agosto a 30 de Setembro.
O Estatuto Judiciário de 1944 manteve o mesmo período de férias judiciais.
No Estatuto Judiciário de 1962, as férias de Verão continuaram a ter lugar nos meses de Agosto e Setembro.
A Lei n.º 38/87, de 27 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), veio estipular um novo período de férias judiciais, que passaram a decorrer de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 14 de Setembro. Como se pode verificar pela evolução legislativa, o período das férias judiciais, que corresponde a um abrandamento da actividade dos tribunais e a uma suspensão parcial (isto é, com ressalva dos processos urgentes) dos prazos processuais, tem diversos fundamentos, sendo de realçar:
- o reconhecimento e respeito pelo período de férias da generalidade dos cidadãos, que se ausentam das suas residências;
- o modo de organização interna dos tribunais e de actuação dos que neles intervêm;
- a natureza da prestação dos serviços forenses, realizada na base de estruturas administrativas reduzidas e na prática da advocacia individual”.
Com a entrada em vigor da Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto veio a reduzir-se o período de férias judiciais de Verão, para apenas o mês de Agosto (1 a 31 de Agosto).
Com esta medida de redução das férias judiciais, procurou o governo “retirar o máximo rendimento dos recursos humanos e materiais actualmente empregues, aumentando a produtividade e eficiência dos nossos tribunais, e em consequência a qualidade do serviço prestado”. (Cfr. Comunicado do Conselho de Ministro de 5 de Maio de 2005). Segundo o Governo “não faz sentido, do ponto de vista da coerência global do sistema, que o Estado venha impondo regimes de tramitação tendencialmente mais simplificados e prazos mais curtos para as partes praticarem os seus actos processuais e, ao mesmo tempo, mantenha os tribunais a funcionar de forma restrita durante quase uma quarta parte do ano” (Cfr. Informação do Ministério da Justiça à imprensa, de 17-06-2005).
Porém, visão completamente diferente têm a generalidade dos operadores judiciários, caso dos Juízes de Direito, Magistrados do Ministério Público, Solicitadores, Funcionários Judiciários, assim como o Conselho Superior da Magistratura (CSM), a Ordem dos Advogados (AO) e as estruturas sindicais, como a Associação Sindical dos Juízes Português (ASJP), o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e o Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ).
O Conselho Superior da Magistratura deu em Fevereiro passado conhecimento ao Governo de uma avaliação que fez em vários tribunais dos pais sobre este assunto: “Para o cidadão comum, e essa é a perspectiva mais relevante, conclui-se que não houve qualquer benefício com esta alteração do regime de férias judiciais”.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses, pela voz do seu Presidente tem sustentado que “a redução ao mês de Agosto não faz sentido" e que “veio introduzir problemas na gestão dos tribunais”, dado que “os juízes que estão de turno nos tribunais durante o mês de Agosto têm de tirar férias noutras alturas e, para as gozarem, outros magistrados têm de fazer o seu trabalho”.
A Ordem dos Advogados decidiu em Abril apresentar formalmente à Assembleia da República e ao Governo uma proposta de alteração do período de férias judiciais de Verão. O Conselho Geral da Ordem considera que "o actual regime de férias judiciais não se mostra adequado às exigências da boa administração da Justiça e à salvaguarda dos direitos dos cidadãos". A OA defende que “devem ser marcadas e realizadas entre 16 e 31 de Julho e entre 1 e 14 de Setembro as diligências para as quais se obtenha a conciliação de agenda dos magistrados e dos advogados, sem prejuízo do que se dispõe quanto aos processos de natureza urgente”.
Posto isto, vejamos de forma sumária quais as principais críticas ao regime actual das férias judiciais de Verão:
-Antes, as férias judiciais de Verão iam de 16 de Julho a 14 de Setembro, conforme o art. 12 da Lei 3.99 de 13.01. Os prazos processuais eram suspensos e os Magistrados Judiciais e do Ministério Público inseriam naquele período o tempo de férias a que tinham direito. Havia sempre Magistrados de turno para os processos urgentes. Agora, e como é impossível que todos os Magistrados gozem 22 dias de férias seguidas no mês de Agosto, muitos têm de encaixar o descanso na segunda quinzena de Julho e na primeira quinzena de Setembro, quando os tribunais já estão a funcionar normalmente. Convém referir, que nos períodos de 16 a 31 de Julho e 1 a 15 de Setembro os prazos processuais não se suspendem, o que implica por exemplo, que sejam abertas conclusões nos processos em que os Juízes titulares estão ausentes dos Tribunais em gozo de férias e que haja prazos que terminam (como prazos de contestação, prazos para apresentação de acusações, de pedidos de indemnização, de rol de testemunhas; sendo que todos estes prazos levam à preclusão de direitos se não forem atempadamente cumpridos).
- Num único mês, não é possível proporcionar a necessária rotatividade, sendo que um magistrado que esteja de turno numa semana de Agosto, terá que ter direito a essa semana mais tarde, o que acaba por significar que toda uma secção ou juízo acabaria por estar parada nesse outro período.
-Existe um grande número de cidadãos que são partes, testemunhas, declarante e peritos nos processos com diligências marcadas para a segunda quinzena de Julho e primeira quinzena de Setembro que marcaram as suas férias para esses períodos, normalmente coincidentes com as férias escolares dos seus filhos e com as férias de outros familiares. Convém recordar, que muitos destes cidadãos trabalham em serviços que não fecham durante o mês de Agosto e por isso se vêm obrigados a gozar férias nesses períodos. Quantas destas pessoas estarão na disposição de alterar as suas férias para comparecer em tribunal? É uma pergunta que aqui deixo.
-Antes, quando as férias judiciais de Verão decorriam durante dois meses, todos os operadores judiciários tinham mais tempo para estudar os processos judiciais, analisar e estudar a nova legislação e jurisprudência, preparando o novo ano judicial que se aproximava. Aproveitava-se a calmaria das férias para redigir os articulados, os requerimentos, as promoções, os despachos e as sentenças mais exigentes do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial. Agora, com a redução do tempo de férias judiciais de Verão para um mês, todo este tempo se esgota no gozo efectivo de férias.
-Não se acautelou a situação de milhares de advogados com pequenos escritórios que fazem da advocacia uma efectiva prática isolada. A redução das férias judiciais de Verão para um mês implica a redução das suas férias, ou pelo menos a sua repartição por diferentes períodos ou à colaboração “forçada” com outros colegas. A situação já é diferente no caso das sociedades, onde os advogados podem revezar-se.
MRS

1 comentário:

Anónimo disse...

Amigo Mário antes de mais um grande abraço de amizade.Tem muita razao no seu comentário às recentes alterações das férias judiciais, os mais prejudicados com esta alteração são os cidadãos e os Advogados de prática isolada, como é o meu caso, porque todos os outros operadores judiciários não são "obrigados" a tirarem férias no mês de Agosto.Foram medidas eleitoralistas do PS, pois cai bem na população em geral fazer passar a ideia que somos todos uns malandros que só queremos é descanso, 2 meses de férias de papo para o ar.Quando lemos certos comentários em certos blogs de certos cidadaos que nos rotulam de calões que não queremos trabalhar e que só queremos descansar, penso que para o comum dos cidadaos, leigos, deveria se dar outra designação às férias judiais, de (interrupção dos prazos judiciais).Quase de certeza que não provocava tanta polémica. Já se consta nos corredores dos Passos Perdidos,(bem me queria parecer de que quem por lá anda necessita de uma bussula para se orientar), de que este Ministro quer acabar de todo com as "férias" Judiciais. Por uma questão de solidariedade por favor não me marquem diligências de 15 de Julho a 14 de Setembro, que eu tambem não dou entrada de acções nem faço requerimentos autonomos para que não se abra conclusões, eu tambem preciso de descansar, arrumar os papeis no meu escritorio, fazer aquelas acções mais complicadas, estudar para os processos e ler e de quando em vez passar pelas brasas. Este Sr. Ministro tem mesmo uma mente mesquinha, com aquele ar de sacristão acabado de ser expulso do seminário, nem os padres o querem lá, parece um microscópio, só enxerga as coisas pequeninas, as grandes passam-lhe ao lado.
Um abraço e bom trabalho.
Américo