segunda-feira, setembro 18, 2006

Pacto PS/PSD sobre a Justiça: Supremo entra nas escutas


No capítulo sobre a revisão do Código de Processo Penal (CPP), socialistas e sociais-democratas estabeleceram que nos casos do Presidente da República, presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro a competência para a “intercepção de comunicações” é “cometida” ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), cargo actualmente vago devido à jubilação de Nunes da Cruz mas que, a partir do dia 28, será ocupado, durante três anos, por um dos dois candidatos à sua sucessão: Noronha do Nascimento ou Pinto Monteiro.
Nas restantes situações, o controlo e fiscalização das escutas continua a pertencer aos magistrados judiciais e deve ser “circunscrito a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso mediante consentimento efectivo ou presumido)”.
Rui Pereira, coordenador para a Unidade de Missão para a Reforma Penal, adiantou ao CM que no anteprojecto sobre a revisão do CPP não consta que só o presidente do STJ pode dar autorização para que sejam interceptadas as comunicações das três principais figuras do Estado. “Vai ser necessário acrescentar uma alínea ou fazer uma pequena precisão no artigo (11.º) que diz que o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o primeiro-ministro só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal.”
“ATESTADO DE MENORIDADE”
Quirino Soares, conselheiro jubilado do STJ, disse ao CM que PS e PSD passaram um “atestado de menoridade” aos juízes de instrução: “Não há qualquer razão para um privilégio que me causa muita estranheza. Qualquer juiz de instrução estaria em condições para o fazer, com isenção e independência. Mas como já acontece, aceito que as pessoas que ocupam esses três altos cargos do Estado apenas sejam julgadas pelo Supremo, tendo em conta a dignidade do cargo e que se trata do julgamento final.”
INTERCEPÇÕES INDIRECTAS
E se um dos três visados for apanhado numa escuta indirecta? O juiz Paulo Ramos de Faria, do Tribunal de Juízos Cíveis do Porto, entende que essa escuta “não enferma de nulidades”. “Porque, quando foi ordenada a escuta, a pessoa alvo não era qualquer uma das entidades mencionadas. Mas devo acrescentar que, por enquanto, estamos a falar de um documento sem qualquer força jurídica. Só a terá quando uma lei cansagrar tal regime”.
Caso o Presidente da República, o presidente do Parlamento ou o primeiro-ministro se incriminem numa intercepção indirecta, Ramos de Faria admite como “plausível o entendimento segundo o qual tais escutas só poderão ser utilizadas como meio de prova contra as referidas individualidades depois de submetidas ao crivo” do presidente do Supremo”.
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES ACORDADAS NO PACTO DA JUSTIÇA
- A prisão preventiva passa a ser aplicável apenas a crimes puníveis com mais de cinco anos de prisão.
- Passa a caber exclusivamente ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a competência para a autorização de intercepção de comunicações nos seuintes casos: Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro
- É agravada a responsabilidade criminal e as medidas de coação em fenómenos graves como o incêndio florestal e os crimes ambientais
- O segredo de Justiça é aplicado quando a publicidade prejudique a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais.
CORRUPÇÃO NO DESPORTO ESCAPA À PRISÃO PREVENTIVA
O próximo Código de Processo Penal não irá prever a aplicação da prisão preventiva aos crimes de corrupção no desporto.
Ao restringir a aplicação da prisão preventiva a crimes puníveis com mais de cinco anos de prisão (actualmente o mínimo é três anos) o pacto da Justiça de José Sócrates e Marques Mendes retira a corrupção desportiva do leque de fenómenos criminais, no âmbito dos quais pode ser determinada a medida de coacção mais gravosa prevista na lei.
Apesar de o Governo ter definido o combate à corrupção no desporto como uma prioridade, designadamente através da elaboração de um anteprojecto de lei contra esta criminalidade, o agravamento das penas previsto pela Unidade de Missão para a Reforma Penal não excede os cinco anos, inviabilizando que suspeitos fortemente indiciados do crime de corrupção no desporto, atletas, dirigentes ou árbitros sejam detidos preventivamente.
Aliás, com a restrição da prisão preventiva acordada pelo PS e pelo PSD, crimes como a burla qualificada, extorsão, furto qualificado, entre outros, deixam também de ser passíveis da aplicação de preventiva.
Entretanto, Rui Pereira garantiu ontem ao CM que vai propor, à Unidade de Missão, que o crime de associação criminosa seja aplicado na corrupção desportiva, circunstância que alterará a impossibilidade da preventiva ser determinada neste tipo de criminalidade. “Tenho a intenção de propor este crime até ao próximo dia 25”, garantiu o penalista, sublinhando que em matéria de penas “ainda não existe nada de definitivo”.
EXEMPLOS DE CRIMES QUE DEIXAM DE PREVER PRISÃO PREVENTIVA
- Corrupção no desporto: Pena prevista de seis meses a cinco anos de prisão.
- Burla qualificada: Pena até cinco anos de prisão.
- Corrupção activa: Seis meses a cinco anos de prisão
- Extorsão: Punido com pena máxima de cinco anos de prisão.
- Furto qualificado: Pena até cinco anos de prisão.
- Homicídio por negligência grosseira: Até cinco anos de prisão.
GOVERNO NEGA OPÇÃO POR JUIZ-CONSELHEIRO
O ministro da Justiça, Alberto Costa, desmentiu que o substituto de Souto Moura na Procuradoria-Geral da República (PGR) seja um juiz-conselheiro. “Face a notícias hoje [ontem] publicadas, acerca da escolha do futuro procurador-geral da República, o ministro da Justiça vem esclarecer que se trata de pura especulação, destituída de fundamento”, pode ler-se no comunicado ontem divulgado.
As notícias a que se refere o comunicado avançam que nas negociações sobre o pacto da Justiça, o PS e o PSD consensualizaram que o futuro PGR deverá ser um magistrado e que o nome que mais encaixava no perfil era o do juíz-conselheiro Henriques Gaspar, vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Foi igualmente noticiado que o juíz-conselheiro do STJ Fernando Pinto Monteiro também foi referido para o cargo, mas a sua alegada filiação na Maçonaria teria comprometido a sua indigitação (ver caixa).
Também o ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, se apressou a negar ontem a existência de negociações com o PSD em torno do nome do futuro PGR. A este respeito, uma fonte do Ministério da Justiça disse ao CM que ainda está tudo em aberto, pelo que o novo PGR tanto pode ser um magistrado judicial como do Ministério Público. A fonte disse também que o novo PGR será conhecido ainda este mês, pese embora o facto de o mandato de Souto Moura só terminar a 9 de Outubro.
MAGISTRADOS
JOSÉ MATOS PINTO MONTEIRO
Nomeado para o Supremo Tribunal de Justiça em 1998, onde actualmente preside à 1.ª secção, Pinto Monteiro poderá enfrentar Noronha Nascimento nas próximas eleições para a Presidência, de 28 de Setembro. Formou-se em Coimbra e iniciou-se na magistratura como procurador do Ministério Público em Idanha-a-Nova.
HENRIQUES GASPAR
António Silva Henriques, 57 anos, natural da Pampilhosa da Serra, é um dos vice-presidentes do Supremo Tribunal de Justiça. Começou a carreira como procurador do Ministério Público e é desde 2003 juiz-conselheiro no Supremo. Antes, foi agente de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. É colaborador do blogue Sinedie.
NOTAS
INTERROGATÓRIOS
O interrogatório terá a duração máxima de quatro horas e só poderá ser retomado, por período idêntico, após um intervalo mínimo de uma hora.
CLUNNY ACEITA MAGISTRADO
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, diz que um magistrado para PGR cabe no perfil que foi definido.
LIBERDADE SEXUAL
São tipificados novos crimes contra a liberdade pessoal e sexual e a previsão de novas circunstâncias agravantes de crimes contra a vida.
PESSOAS INDEFESAS
Será reforçada a tutela de pessoas indefesas, como crianças, menores e vítimas de violência doméstica, maus tratos ou discriminação.

Fonte: Correio da Manhã, de 17-09-2006.

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