segunda-feira, março 20, 2006

Divórcio, separação legal e anulação do casamento na CEE

Todos os Estados Membros com excepção da Malta permitem o divórcio. É possível observar uma certa convergência em matéria de legislação, em particular no aumento do divórcio por consentimento e na redução do divórcio com fundamento em culpa. Não obstante, permanecem diferenças significativas entre os Estados Membros respeitantes aos fundamentos do divórcio bem como aos procedimentos. Esta divergência pode ser explicada por diferentes factores, tais como diferentes políticas de família e valores culturais.

Esta divergência pode bem ser ilustrada pelas Leis Suecas e Irlandesa. A Lei Sueca não requer nenhum fundamento para o divórcio, mas uma aplicação unilateral de divórcio é imediatamente garantida desde que o pedido de divórcio não seja contestado e os cônjuges não tenham a guarda de crianças com idade inferior a 16 anos. Em comparação, a Lei Irlandesa requer que os cônjuges vivam separados de facto pelo menos 4 anos. Além disso, o Tribunal Irlandês deve certificar que não há um razoável propósito de reconciliação e que são tomadas medidas adequadas para o outro cônjuge e filhos. Estes requisitos aplicam-se também ao divórcio por consentimento.

Divórcio por mútuo consentimento:
O divórcio por mútuo consentimento é um fundamento autónomo para o divórcio em certos Estados Membros. Outros Estados Membros não o consideram como um fundamento autónomo, mas apenas significa que existe uma estável e irreparável ruptura do casamento. Um anterior período de separação de facto é requerido em certos Estados Membros. Este tempo varia desde 6 meses (Áustria e Dinamarca) a 4 anos (Irlanda). Certas jurisdições impõem requisitos adicionais se os cônjuges tiverem crianças, ex. Apresentar um acordo sobre a regulação do exercício do poder paternal.

Irreparável ruptura do casamento:
A maior parte dos Estados Membros permite o divórcio em caso de ruptura do casamento, alguns mesmos na falta de culpa. A irreparável ruptura do casamento é o único fundamento de divórcio na Alemanha, Grécia, Eslováquia, Irlanda, Holanda e no Reino Unido. Na Bélgica a irreparável ruptura do casamento é exigido em todos os tipos de divórcio, mas em nenhum deles é erigido como fundamento do divórcio. É normalmente requerida para comprovar a irreparável ruptura por certos factos. Estes factos incluem um período de separação factual (França, Espanha, Itália, Alemanha, Reino Unido, Áustria e Letónia), uma idade mínima para os cônjuges (Bélgica e Luxemburgo), uma duração mínima do casamento (Grécia e Bélgica), existência de razões (Áustria, Holanda) e um acordo escrito entre os cônjuges quanto à regulação do exercício do poder paternal e adequadas relações entre os cônjuges (Bélgica, Grécia, Itália, França, Áustria, Luxemburgo, Portugal e Holanda). A Lei Polaca requer que o Tribunal verifique que a ruptura do casamento não é apenas irreparável mas também completa. Em alguns Estados, o consentimento mútuo torna desnecessário investigar as razões da ruptura (República Checa e Hungria).

Divórcio baseado na culpa:
Certos Estados Membros (Bélgica, França, Luxemburgo, Áustria, Portugal, Dinamarca, Chipre ou Lituânia) estipulam o divórcio baseado na culpa. Este típico requisito requer que as sérias e reiteradas violações dos deveres conjugais e obrigações, tornam intolerável para os cônjuges continuar a viver juntos. Abrange por exemplo a violência doméstica, a falta de auxilio económico e o adultério. Certas jurisdições que não estipulam o divórcio baseado na culpa não obstante têm em conta fundamentos como o adultério, comportamento não tolerável e a deserção como presunções para estabelecer a irreparável ruptura do casamento (ex.: Reino Unido).

Divórcio baseado na separação de facto:
A separação de facto constitui um fundamento autónomo para o divórcio em certos Estados Membros (Bélgica, França, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo, Portugal, Espanha, Chipre, Letónia e Lituânia). A duração da separação de facto varia (desde 6 meses na Dinamarca até 5 anos no Chipre). Na Irlanda é apenas uma das várias condições cumulativas.

Nenhum fundamento requerido:
Suécia e Finlândia não requerem qualquer fundamento para o divórcio, mas somente a consideração de um período de 6 meses. A consideração do tempo é sempre requerida pela Lei Finlandesa, ao passo que a Lei Sueca requer isto apenas se um dos cônjuges não consentir ou se os cônjuges tiverem a guarda do filho com idade inferior a 16 anos. Por outro lado, nenhum período é requerido se o divórcio se baseia no consentimento e os cônjuges não tenham a guarda de filhos com idade inferior a 16 anos.

Separação judicial:
A separação judicial, ao contrário do divórcio, não dissolve o casamento. O dever de assistência e o dever de fidelidade permanece na maior parte dos casos, mas o dever de coabitação é suspenso. A separação judicial existe na França, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Reino Unido, Itália, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Lituânia, Polónia e Malta. Por outro lado, o conceito de separação judicial não existe na Alemanha, Áustria, Grécia, Finlândia, Suécia, Rep. Checa, Estónia, Letónia, Eslováquia, Chipre e Hungria. É possível converter a separação judicial em divórcio em certos Estados Membros.

Anulação do casamento:
Todos os Estados-Membros com excepção da Suécia e da Finlândia permitem a anulação do casamento por erro do consentimento, vicio de forma ou violações de determinadas condições (ex.: incesto, parentesco, idade inferior à idade legal, bigamia, ameaça). Em alguns Estados Membros os efeitos da anulação do casamento retroagem à data do casamento (“ex tunc”). Em certos Estados Membros, a anulação não tem efeitos retroactivos, mas somente desde a data da anulação (“ex nunc”). Certos Estados Membros (Espanha, Portugal, Itália, Malta e Polónia) têm acordos com a Santa Sé (chamados Concordatas) onde um casamento católico pode ser anulado pelos tribunais eclesiásticos cujas decisões produzem efeitos civis.

Procedimentos legais nacionais:
Os Tribunais são competentes para decretar divórcios em todos os Estados Membros. Além disso, é possível peticionar divórcio por mútuo consentimento perante uma autoridade administrativa em Portugal, Estónia e Dinamarca. Certos Estados Membros requerem que as partes recorram ao tribunal uma ou várias vezes e sejam assistidas por um advogado e outros Estados Membros permitem que os cônjuges obtenham o divórcio com base em documentos escritos e sem conselho legal. A lei processual é muitas vezes talhada pela lei substantiva. Como exemplo, divórcio por mútuo consentimento é regido por um procedimento simplificado e acelerado em certos Estados Membros. Por outro lado, processos para divórcios baseados na alegada falta do cônjuge tipicamente requerer a submissão a várias espécies de provas. Certos Estados Membros requerem que a questão da regulação do poder paternal seja decidida no contexto do processo de divórcio, outros Estados Membros permitem que a regulação do poder paternal seja tratada em processo separado.

Conflito de leis respeitante ao divórcio:
Há diferenças significativas entre os Estados Membros no que respeita aos conflitos de leis relativamente ao divórcio. As regras podem ser globalmente divididas em duas categorias:
Na primeira categoria, os Estados determinam que a lei aplicável tem por base uma escala de factores que procuram assegurar que o divórcio é regido pela ordem legal com a qual tem a maior conexão. Os factores de conexão variam, mas incluem na maior parte dos casos critérios baseados na nacionalidade ou na habitual residência dos cônjuges. A maior dos Estados Membros pertence a esta categoria.
Na segunda categoria, os Estados aplicam sistematicamente leis internas (“lex fori”) para os processos de divórcio.
A França não pertence a nenhum das categorias acima referidas, mas aplica unilateralmente as regras de conflitos de leis que especificam em que condições a lei francesa se aplicam.
Certos Estados Membros permitem que os cônjuges escolham a lei aplicável em certas circunstâncias.

Aplicação de uma escala de factores de conexão:
O primeiro grupo dos Estados Membros (Áustria, Bélgica, Estónia, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Espanha, República Checa, Polónia, Holanda, Portugal, Eslováquia, Eslovénia) aplicam um sistema de escala de factores de conexão para determinar a “conexão mais estreita” entre os cônjuges e a lei aplicável.
Prioritariamente na maior parte casos muitos países dão aos cônjuges uma nacionalidade comum. Na falta de uma nacionalidade comum, o divórcio é sujeito à lei comum da residência habitual dos cônjuges (Áustria, Alemanha, Grécia, Holanda, Espanha, Portugal) ou faltando este, a lei da última residência habitual se um deles ainda vive lá (Áustria, Alemanha, Grécia, Espanha) ou do domicilio comum dos cônjuges (Polónia) ou “lex fori” (República Checa, Hungria). Estónia e Lituânia têm a comum residência habitual dos cônjuges como o primeiro factor de conexão.

Aplicação da “Lex Fori”:
O segundo grupo de Estados Membros (Reino Unido, Irlanda, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Chipre e Letónia) aplica sistematicamente a lei do lugar nos processos de divórcio (“lex fori”). A Escócia e a Lei Sueca determinam não obstante a possibilidade de se ter em conta a lei estrangeira em certas circunstâncias.

Escolha unilateral da lei:
A França é o único Estado Membro que aplica unilateralmente uma regra de conflito de leis que determina em que circunstância a lei francesa é aplicável. Por isso, a Lei Francesa aplica-se quando ambos os cônjuges tenham a nacionalidade francesa ou estejam domiciliados em França ou se nenhuma lei estrangeira reclame jurisdição enquanto os tribunais Franceses tenham jurisdição.

Possibilidade de escolha da lei aplicável:
A Alemanha, Holanda, Espanha e Bélgica permitem que as partes escolham a lei aplicável nos processos de divórcio.
A lei Alemanha limita a sua escolha aos casos onde: a)- os cônjuges não tenham uma nacionalidade e b)- nenhum dos cônjuges é nacional do Estado da residência habitual das partes ou os cônjuges são residentes em diferentes Estados.
A lei holandesa permite aos cônjuges a escolha entre a lei da nacionalidade comum ou a lei holandesa. Por isso, os cônjuges podem optar entre: a)- a lei holandesa da sua nacionalidade ou da residência habitual ou b)- a lei estrangeira da nacionalidade comum, mesmo que eles não tenham qualquer real ligação social com aqueles pais.

A lei espanhola foi recentemente emendada e permite aos cônjuges estrangeiros optar entre a aplicação da lei espanhola (“lex fori”) se um dos cônjuges tiver a nacionalidade espanhola ou é residente habitualmente em Espanha antes de peticionar o divórcio perante um tribunal espanhol,

A lei belga permite que as partes escolham entre a lei da nacionalidade do outro cônjuge ou a lei belga (“lex fori”). Na falta de escolha, o divórcio será regida pela lei da residência habitual dos cônjuges.

Conflito de leis respeitante à separação judicial e à anulação do casamento:
Os Estados Membros que reconhecem a separação judicial aplicam as mesmas regras de conflitos de leis do divórcio.
A anulação do casamento é em geral regida pela lei do lugar onde o casamento foi celebrado (“lex loci celebrations”) para os vícios de forma e a lei nacional dos cônjuges (“lex patriae”) para os vícios relativos às suas capacidades pessoais (ex: parentesco, idade abaixo da idade legal).

Convenções internacionais:
Não há actualmente convenções multilaterais entre os Estados Membros na questão da lei aplicável aos divórcios.

As regras de jurisdição do Regulamento nº 2201/2003:
O artigo 3º deste regulamento enumera sete fundamentos de jurisdição em matéria de divórcio, separação legal ou anulação de casamento. Os fundamentos de jurisdição são alternativos e não se sobrepõem uns aos outros.
Os cônjuges podem recorrer ao divórcio nos tribunais dos Estados Membros da sua residência habitual ou da sua última residência se um deles ainda reside aí. Uma petição conjunta pode ser posta no Estado Membro da residência habitual do outro cônjuge. Uma petição unilateral para divórcio pode ser colocada no Estado Membro da residência habitual do réu. A petição pode ainda ser intentada no Estado Membro da sua residência habitual estabelecido que ele ou ela reside lá durante um certo período de tempo antes da instauração (6 meses respectivamente um ano dependendo da sua aplicação se é um nacional do Estado Membro ou o seu “domicilio” no Reino Unido e Irlanda). Finalmente, os cônjuges podem intentar o divórcio no Estado Membro ou da sua nacionalidade comum ou no caso do Reino Unido e Irlanda, o seu comum “domicilio”.

A regra da jurisdição residual:
Quando nenhum Estado Membro tem jurisdição o artigo 7º deste regulamento permite que os tribunais dos Estados Membros avaliem eles próprios da jurisdição na base da lei nacional (“jurisdição residual”). As regras nacionais não estão harmonizadas mas são baseadas em diferentes critérios, tais como a nacionalidade ou o domicilio de um ou de ambos os cônjuges, a última residência habitual dos cônjuges, e.t.c. Alguns estados, como a Holanda, não têm nenhuma lei interna que possa ser definida como “residual”.
O artigo 6º especifica que um cônjuge que é habitualmente residente num Estado Membro ou é nacional de um Estado Membro ou que tem o seu domicilio no Reino Unido ou na Irlanda pode ser demandado em outro Estado Membro na base das regras da jurisdição do regulamento e não na base das regras de jurisdição nacional.

A regra da litispendência:
Quando dois cônjuges intentam divórcios em tribunais de diferentes Estados Membros, se um tribunal com base nas regras de jurisdição do artigo 3º do regulamento declarar-se ele próprio competente, os tribunais dos outros estados membros que não são competentes devem demitir-se de qualquer aplicação subsequente. O objectivo da “lis pendens” é evitar a desnecessária duplicação de litígios e a possibilidade de julgamentos contraditórios.


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