quinta-feira, janeiro 26, 2006

110.000 crianças em perigo

Segundo noticia publicada no Diário de Notícias de 26-01-2006


Portugal vive hoje uma situação de emergência infantil", acusa Luís Villas-Boas, director do Refúgio Aboim Ascensão e criador da terminologia com que hoje se define o acolhimento de crianças em risco. Segundo este especialista, "há uma centena de menores todos os dias vítimas de alguma forma de mau trato" em Portugal. E há neste momento cerca de 110 mil crianças em perigo e que devem ser alvo de toda a atenção para que não se transformem em vítimas. Os primeiros daqueles números Villas-Boas, retira-os da experiência de quem trabalha há anos e anos com crianças, tendo como ponto de referência um estudo da pediatra Maria José Lobo Fernandes. Os segundos dados têm por base a aplicação da fórmula dos 5 % do Fórum Europeu da Criança, aos 2,2 milhões de indivíduos portugueses entre os zero e os 17 anos.Numa intervenção bastante crítica no encontro sobre abuso sexual de crianças e jovens "Escutar, Acreditar, Proteger", que se realizou ontem no Seixal, Luís Villas-Boas alertou, antes de mais, para a necessidade de fazer uma prevenção eficaz. "É preciso instalar o discurso da criança em Portugal" para que a sociedade se sinta responsável pelas suas crianças.Estado e sociedade civil devem ser parceiros na protecção de menores - "é uma tarefa de todos". Como essa prevenção não é feita, acontece que "estamos a detectar muito mais a vitimização e pouco o perigo" "É tempo de parar de acolher vítimas. Temos é de acolher os menores em perigo e em risco", alertou.Finalmente, Luís Villas-Boas considera que em Portugal "temos um acolhimento doente e uma adopção anestesiada" e que é "necessário repensar todo o sistema de acolhimento nacional". O ex-presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei de Adopção afirma que, antes de mais, é preciso parar com "o excesso de acolhimentos depositários", quer em famílias, quer em instituições. "Não se deve ter crianças em instituições mais do que o tempo mínimo necessário, que geralmente é de um ano ou dois", diz. "As crianças que vivem 15 anos da sua vida em instituições ficam deprimidas e com graves problemas emocionais", considera este psicólogo.É também porque as instituições têm excesso de crianças e por tempo demasiado que, depois, não têm capacidade para responder eficazmente nas situações de emergência. Porque é preciso "pôr fim à parentalidade institucionalidade", a solução passa por encontrar uma família, sendo que, defende Luís Villas--Boas, o recurso às famílias de acolhimento só deve acontecer para crianças com mais de seis anos, quando já têm consciência de que aquela não é a sua família. "Não pode haver seis mil famílias de acolhimento quando há três mil famílias à espera de uma criança para adopção", diz. Segundo Luís Villas-Boas, a adopção deve ser o mais possível agilizada - a nível nacional e internacional. "Quando uma mãe abandona um filho na maternidade com três dias, os tribunais não podem ter dúvidas." "O tempo das crianças não é o tempo dos tribunais", alerta.Esta ideia foi também sublinhada por Dulce Rocha, magistrada e ex-presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, que considera que nos casos de abuso sexual intra-familiar, as comissões não deveriam tentar um acordo mas entregar imediatamente o caso aos tribunais. "Não há acordo possível, é um crime", diz, sabendo, no entanto, que, por diversos motivos, se privilegia ainda a família biológica, apesar de tudo. Nos casos de abuso sexual, afirma, "o grande risco que se corre ainda continua a ser o silêncio".

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