domingo, julho 05, 2009

A reorganização judiciária da Madeira: modelo de justiça de proximidade v.s. modelo de concentração- artigo de opinião de Mário Rodrigues da Silva

“O direito, para se realizar, carece de uma organização"
Adolf Merkl
Com a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, foi aprovado o novo regime da organização e funcionamento dos tribunais judiciais.
Esta lei está a ser aplicada, a título experimental, desde 14 de Abril de 2009 pelo período de dois anos, em três comarcas (Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste), que funcionam em regime de comarcas piloto, devendo a reforma estender-se ao resto do país em 2011.
É pois tempo de começar a discutir a reorganização judiciária da Madeira.Bem a propósito a Associação Sindical dos Juízes Portugueses organizou com assinalável sucesso no passado dia 20 de Junho de 2009 no salão nobre do Palácio da Justiça do Funchal um debate sobre a justiça, em que o painel da manhã tinha precisamente como temática “A reorganização judiciária e os tribunais da Madeira”. E segundo declarou o seu secretário-geral, a ASJP tem a intenção de apresentar um projecto de mapa judiciário para a Madeira.
Dadas as posições expressas pelos participantes neste debate, constato que para já existem duas perspectivas completamente diferentes para a questão da reorganização judiciária da Madeira:
-uma defende uma reforma baseada na racionalização do modelo existente e que passa pela manutenção de todos os tribunais existentes com eventual reforço dos meios humanos e melhorias das condições físicas existentes;
-outra, sustenta a construção de um novo modelo baseada na concentração de todos os tribunais existentes no Funchal.
A favor da primeira invocam-se os seguintes argumentos principais:
-uma justiça de maior proximidade, já que as populações continuariam a deslocar-se ao tribunal situado em regra na sede do concelho (casos de Santa Cruz, São Vicente, Ponta do Sol e Porto Santo), evitando-se a onerosidade associada a deslocações mais longas;
-os efeitos negativos que na economia local se produziriam com a mudança geográfica dos tribunais;
-a perda da função simbólica dos tribunais associada à ideia de soberania nas localidades que os deixariam de ter;
-a existência dos actuais edifícios dos tribunais já adaptados à sua função;
-evita-se a transferência de magistrados e funcionários para os tribunais do Funchal;
-é uma reforma menos onerosa já que não implica a construção, arrendamento ou compra de tantos imóveis como a que defende a concentração dos tribunais no Funchal.
Por sua vez, a favor da segunda perspectiva são avançados os seguintes argumentos principais:-a especialização dos tribunais/juízos e dos respectivos magistrados por áreas do direito (ex: cível, criminal, trabalho, família e menores, comércio, instrução criminal e administrativo) à semelhança do que acontece com outros saberes, ex: medicina e engenharia. As vantagens apontadas à especialização incidem sobretudo na maior capacidade que se adquire na organização do tempo e dos processos (pelo aumento da similitude), menor dispersão na actividade do estudo e tratamento dos casos e maior aproveitamento da experiência acumulada nas áreas de jurisdição, da parte de cada profissional que integre esses tribunais/juízos especializados;
-permite uma maior uniformização na qualidade da justiça oferecida às populações;-a proximidade geográfica de todos os pontos do território da Ilha da Madeira ao Funchal que com as vias de comunicação existentes, torna as deslocações das populações relativamente rápidas;
-a concentração da litigação na comarca do Funchal, que segundo estudos recentes representa cerca de 74% do total da litigação na RAM;
-o uso de novas tecnologias de informação e comunicação como a apresentação de peças processuais através da via electrónica reduz significativamente o número de deslocações aos tribunais, nomeadamente dos advogados e solicitadores de execução;
-evita-se a rotatividade anual dos juízes que acontece com frequência nos tribunais situados fora do Funchal;
-facilita a gestão dos tribunais, já que torna mais fácil identificar as falhas no funcionamento dos tribunais e decidir os meios de correcção;
-permite a criação de forma mais fácil e menos onerosa de estruturas de apoio técnico aos magistrados e de um gabinete de imprensa;
-evitam-se as inúmeras deslocações de magistrados entre tribunais e de outros profissionais dos seus locais de trabalho normalmente sediados no Funchal para os tribunais situados fora do Funchal.
Muitos outros argumentos podem e vão seguramente ser invocados a favor e contra aqueles modelos de organização territorial da justiça, sendo certo que a favor de um e de outro já se pronunciaram ilustres juristas da nossa região.
Acresce dizer que a opção por um dos modelos não deve basear-se exclusivamente nas pendências e na morosidade. Deve ter em conta outros vectores que vão desde a eficiência e a eficácia, acesso, relação com os cidadãos e a qualidade das decisões, sem esquecer os custos económicos e financeiros e a tendência para o surgimento de litígios altamente complexos e a necessidade de formação cada vez mais especializada dos chamados “operadores judiciários”.
Do meu ponto de vista, e partindo do pressuposto que existe disponibilidade financeira e vontade política de mudança, parece-me ser preferível o modelo de concentração de todos os tribunais no Funchal, com excepção do Porto Santo, face à sua situação de dupla insularidade.
É certo que a reforma do mapa judiciário não resolve por si todos os bloqueios do sistema judicial, sendo necessário articulá-la com outras reformas, nomeadamente as processuais mas é seguramente um passo importante para se atingir um dos objectivos mais proeminentes nos nossos dias que é o de recuperar a confiança da população no sistema judicial.
Já que é um tema actual, importante e que não gera consensos, fico a aguardar que outros profissionais do foro, políticos e a população em geral se pronunciem sobre a reorganização dos seus tribunais.

1 comentário:

Anónimo disse...

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