O novo Regulamento de Custas Judiciais (RCJ) entrou em vigor a 20 de Abril, mas continua a merecer as maiores críticas por parte de quem tem responsabilidades judiciais em Portugal
Mais Custas para processos da família
O novo diploma das custas judiciais entrou em vigor no passado dia 20 de Abril, mas a contestação em torno deste está longe de terminada, sendo que o pagamento à cabeça das taxas de Justiça está no topo das críticas dos representantes de todas as profissões jurídicas.
Para o juiz Paulo Barreto, responsável na Região pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, este aumento significativo das taxas de justiça vai dificultar, sobretudo, o acesso ao direito. «Não faz sentido aquilo que diz o ministro, de que as queixas apresentadas por via electrónica custam menos 25 por cento. As taxas de justiça aumentaram bastante, pelo que essa redução é engolida pelo aumento.
Depois, parece-me que não é assim que se diminuem os processos nos tribunais. Não é aumentando as custas, pois toda a gente tem direito à justiça», lembrou aquele responsável, que diz não entender porque razão se decidiu isentar o Estado, autarquias locais e administração pública das taxas de justiça que pagavam.
«O que me parece é que eles, Governo, e nomeadamente o ministro da Justiça, não têm noção do que é isto. Em vez de tentar resolver a chamada morosidade da justiça com a alteração de leis que estão perfeitamente diagnosticadas, quer pelo Observatório da Justiça, quer pela Associação Sindical dos Juízes – como é o caso do Código de Processo Civil - vão atacar por outras áreas, como, por exemplo, o aumento das custas. Ou seja, como as pessoas não vão aos tribunais, os processos também vão diminuir. E vão dizer que a Justiça está melhor, o que é uma mentira», observa.
Perante a nova realidade, o juiz não tem dúvidas de que vai haver um maior recurso ao apoio judiciário. «Prevejo que a Segurança Social, que é hoje a entidade que concede este auxílio legal, e até porque estamos em altura de crise económica, vai alargar os critérios e vai conceder mais vezes este apoio, pois só assim é que as pessoas vão poder recorrer ao Tribunal. E vai ser, no fundo, o Estado a pagar esse apoio», concluiu.
“Justiça política” é cara e ineficiente
Paulo Pereira Gouveia, juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, tem uma visão diferente sobre este tema. Em declarações ao JM, admite não ficar chocado com os custos, sobretudo se o Estado souber ajudar quem mais precisa.
«Em geral e porque os meios são finitos, é racional que o Estado tribute a sério os processos judiciais. Até porque dentro de cada processo se litiga demais. O novo Regulamento das Custas Judiciais será aceitável se o apoio judiciário for justo, o que não depende dos Tribunais. Se o Governo apoiar nas custas quem precisar, acho muito bem que as custas pagas por quem não é pobre sejam caras, porque este sistema de justiça feito pelo poder político é caro e ineficiente. Receio é que o apoio judiciário não seja generoso e que os políticos não tenham a coragem, no futuro, de instituir a contingentação de processos (um número máximo de processos por cada juiz) e de taxar todos os incidentes processuais, simples ou não», sublinhou aquele responsável.
Recurso à área da família e menores mais caro
O Jornal também falou a este propósito com Mário Silva, juiz presidente do Tribunal de Família e de Menores.
Da análise do novo Regulamento das Custas Judiciais, diz que uma conclusão é possível retirar liminarmente: de um modo geral, na área de familia e de menores, tornou-se mais caro o recurso aos Tribunais pelos cidadãos.
Relativamente aos processos da competência do Tribunal de Familia e de Menores, destaca algumas alterações significativas. Por exemplo, nas acções de divórcio, passou a ser obrigatório o autor pagar taxa de justiça no início do processo, bem como réu que apresente contestação, a qual é agora de 612 euros, o que não acontecia no anterior Código das Custas Judiciais.
Na área de Jurisdição de Menores (Regulações do Poder Paternal, Alterações, Incumprimentos e outros), todos os processos que sejam requeridos pelas partes, passam a pagar 10 por cento do montante da taxa de justiça devida ao iniciar o processo, o qual neste momento, é de 61,20 euros, o que não acontecia no anterior Código das Custas Judiciais.
Quanto ao valor da causa para efeitos de custas, o novo Regulamento derrogou a regra especial do artigo 6.º, n.º 1 do anterior Código das Custas Judiciais que fixava como limite mínimo o da alçada da 1.ª instância que é de 5 mil euros. Com este regulamento, passou a ser 30.000,01 euros; ou seja, o da lei do processo, nos termos do artigo 312.º do Código de Processo Civil.
No tocante a actos avulsos (certidões), destaca que com a entrada em vigor do Regulamento das Custas Judiciais, há um aumento dos custos, que passou a ter como valor mínimo (até 25 páginas), 12,75 euros.
«De referir que a maioria das certidões passadas por este tribunal são de duas a cinco páginas e anteriormente pagavam por cada lauda 1,92 euros», diz Mário Silva, que acrescenta: «os Tribunais de Familia e de Menores são seguramente os tribunais que mais passam certidões».
Com a entrada em vigor do novo RCJ, os menores ou representantes legais, nos recursos relativos à aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares, aplicadas em processos de Jurisdição de Menores, passaram a estar isentos de custas- artigo 4.º, alínea i), o que não acontecia anteriormente.
Está na hora de mudar política de justiça
O advogado Paulo Pita diz que não consegue encontrar nada de benéfico no novo código e vai mesmo ao ponto de referir que está na hora de o Governo da República «mudar de política em relação a uma justiça mais virada para os cidadãos».
Numa época de crise económica, o advogado lamenta os aumentos em situações que, no dia-a-dia, tocam aos bolsos do cidadão. «As acções que beneficiavam de algumas isenções, como é o caso do divórcio, foram completamente afastadas e agora pagam-se custas ao início, para além de um aumento astronómico da taxa de justiça inicial de 92 para 102 euros, por cada unidade de conta. Ou seja, este é um Governo ditatorial, que só pensa nos números para, no fim do ano, dizer que está tudo bem. É mentira, é totalmente falso tudo aquilo que se diz», frisou ao JM.
«É uma «medida política para esconder o buraco financeiro que existe na Justiça. Voltamos a ter uma visão economicista da Justiça e não uma visão de Justiça social, virada para o cidadão. Isto está feito para o cidadão não recorrer e para dificultar-lhe a vida. Isto torna cada vez mais difícil a vida nos tribunais e isto irá dificultar em muito a vida daqueles que trabalham nos tribunais», continuou o nosso interlocutor, que dá exemplos práticos de como este código vai afectar as custas judiciais.
«Uma pessoa que tenha sofrido um acidente de viação por culpa de terceiros, que tenha ficado amputada ou paraplégica, com dois filhos menores, que tem direito a uma indemnização a rondar – imaginemos – os 50 mil euros, tem que pagar uma taxa de justiça inicial, à cabeça, de 1.020 euros. Estou a falar de um caso real que tenho. Antigamente, estas pessoas, num processo crime, estavam isentas de taxa de justiça porque era um Estado social», recordou.
Trabalhadores judiciais com três códigos na mão
Danilo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Judiciais da Madeira, admite que tem havido alguma dificuldade em “interpretar” o novo código, dada a falta de formação neste campo.
«Neste momento, ainda estamos a dar os primeiros passos. Temos tido muitas dificuldades porque há muito pouca formação sobre a entrada do regulamento, embora tenha sido publicado com alguma antecedência. Porém, as portarias que regulam as custas judiciais caíram muito em cima do dia 20 de Abril. Neste momento nós ainda estamos numa fase em que vamos “apalpando” o próprio programa», começou por explicar.
«Aquilo que aconteceu foi uma mudança radical em relação àquilo que se conhecia do próprio código de 2004. E com a agravante que ainda termos processos que estão regulados ao código anterior. Chegamos a alturas em que temos de trabalhar com três códigos de custas diferentes, ou seja, cada processo depende da lei do ano de entrada e é tratado conforme com o código que vigorava na altura, embora haja aquelas disposições transitórias», continuou o nosso interlocutor.
Danilo Pereira explica que é preciso algum tempo para «entrar» nas novas alterações, não só os trabalhadores judiciais, como até mesmo os outros operadores da Justiça, como magistrados judiciais ou do Ministério Público e os próprios advogados. «Até porque o problema é que não temos formação sobre o regulamento. Nós temos de andar a falar uns com os outros para podermos chegar a alguma conclusão sobre como é que são interpretadas as novas regras processuais», lamentou.
A este propósito, esclareceu que está prevista a vinda de um especialista nesta matéria à Região. «Trata-se de um colega nosso, que vai dar formação ao nível do país e temos previsto para Junho, reunirmos todos os nossos sócios da ilha para num sábado, com o sacrifício das nossas vidas pessoais, esclarecermos dúvidas e trocarmos ideias», adiantou Danilo Pereira, que lamenta ter de ser o Sindicato a substituir as obrigações do Estado.
Questionado sobre as «mudanças radicais» do novo código, o mesmo responsável aponta como negativa a obrigatoriedade de ter de pagar à partida as custas judiciais. Mas, há outras situações. «A questão dos divórcios é outro problema social. Hoje em dia, um processo terá quase 800 euros de custas logo à cabeça.
Aquelas pessoas com dificuldades financeiras têm agora mais este senão. E há ainda a questão dos honorários dos advogados que contratam. Ou seja, um divórcio, agora, provavelmente, fica por mais de mil euros, tudo dependendo dos valores dos casos. Mais: uma simples certidão de uma sentença pequena, de duas ou três folhas, custava à volta de 5 euros. Hoje em dia, o mínimo de uma certidão custa 12,75 euros. Por aí também já se vê que a justiça encareceu».
Mas, a este respeito, Danilo Pereira esclarece: «As custas judiciais já estavam caras antes desta regulamentação. Aliás, penso que o serviço de Estado, que nem sempre era tão célere como poderia ser, não estava em consonância com os valores que se pagavam. Este problema, no meu entender, até se agravou», opinou.
«Ministro deve ter alergia a tribunais»
Para o advogado José Prada, as medidas apresentadas para as custas judiciais não deixam espaço para dúvidas: «Este ministro da Justiça deve ter alguma alergia aos tribunais». «É o único caso onde se paga - e muito - antes de ser servido. Uma pessoa vai ao restaurante, vai ao médico, vai ao advogado e só paga depois de ser servido. Na justiça, paga-se tudo à cabeça», ironiza.
«Este ministro está fazendo tudo por tudo para que as pessoas se afastem dos tribunais. Está a tirar processos como os divórcios e as execuções e, mais grave, está a por a Justiça de tal maneira tão cara que é preciso uma pessoa ter muito dinheiro para procurar os seus direitos. Até para se divorciar, é quase preciso pedir por favor e ser rico», prossegue.
Por tudo isto, defende a revogação política deste código, para o bem estar social da população. «Estão a transformar a justiça e os tribunais numa máquina de fazer dinheiro, quando não pode ser. Para mais, paga-se muito mais pelo péssimo serviço de antigamente». E alerta: «as pessoas vão ter que começar a pedir ou apoio judiciário ou então ir ao Ministério Público pedir para que metam a acção».
Fonte: Jornal da Madeira, de 3-05-2009.
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