segunda-feira, abril 27, 2009

Adopção ainda não é consensual



O momento de ruptura entre os pais bológicos e as crianças sinalizadas pelos tribunais para a adopção é, em muitos casos, dramático. Os adultos encontram as portas das instituições de acolhimento fechadas, acabam-se as visitas e, lá dentro, os filhos ficam confusos, o pai e a mãe desaparecem sem que percebam porquê. "É horrível separar pais de filhos quando existem laços efectivos".
A irmã Celeste Silva, do Lar de Nossa Senhora da Conceição, sabe do que fala, embora escolha com cautela as palavras. Não se pronuncia sobre casos concretos, mas há 10 anos que lida com pais e filhos que, não seguindo o padrão clássico, estabeleceram laços de afecto. "Por mais vícios que tenham, por mais miséria e desorganização, estas famílias têm ligações. Os filhos reconhecem o pai e a mãe, sabem quem são".
O bem-estar das crianças pode exigir a retirada do meio familiar. A responsável pelo Lar de Nossa Senhora da Conceição não o contesta, mas lembra que estes processos são mais complicados do que parecem e que lidar com a condição humana nunca é simples. Além disso, a realidade de certas famílias não se altera em seis meses ou em dois anos. Os tratamentos de desintoxicação, por exemplo, levam o seu tempo.
"Há falta de humanidade quando, perante estes laços, os relatórios técnicos recomendam ao tribunal a adopção das crianças. As visitas são cortadas, os miúdos ficam baralhados. Assistir a esse corte é terrível". A irmã Celeste Silva defende, por isso, outras alternativas. "As crianças podem ficar nas instituições de acolhimento e continuar a receber as visitas da família até ter idade para decidir sem querem ser adoptadas ou continuar no lar". As instituições como a que gere, explica a religiosa, fizeram um esforço, têm técnicos e um ambiente completamente diferente do velho estereotipo do asilo. "No entanto, os pais têm cada vez mais medo de pedir apoio, temem ficar sem os filhos". É certo que a lei dá prazos e permite recursos, mas estes pais têm problemas, falta de informação e não sabem a quem pedir para travar o processo de adopção.
"Não digo que não se deva optar pela adopção. Há casos que esta é a melhor solução, eu própria já o fiz, mas entendo que há outras alternativas a bem da estabilidade emocional das crianças. Porque nem todos os processos de adopção correm bem. E alguém faz o acompanhamento às famílias adoptivas?" A responsável pelo Lar de Nossa Senhora da Conceição entende que, antes de mais, é necessário intervir em tempo útil, proteger as crianças, o que não significa sinalizar para adopção. "É importante a coerência, nós recebemos adolescentes em estado de pré-delinquência de famílias em que se deixaram os irmãos mais novos para fazer companhia à mãe".
E, acima de tudo, é urgente acabar com o preconceito em relação às instituições de acolhimento. "Aqui também há amor e afecto, somos educadoras e temos por missão dar às nossas jovens um projecto de vida". E, da estante, a irmã Celeste tira um livro que assinala os 100 anos do lar, estão lá depoimentos de jovens que frequentaram o internato, três das quais licenciadas.
"Nem todos os casos são de sucesso", explica, mas é com orgulho que olha para as fotografias de duas das suas jovens, vestidas com o traje académico e com as fitas de finalistas. Todas tiveram uma infância infeliz, cresceram num lar, não tiveram uma família tradicional e, garante a irmã Celeste,"não lhes faltou formação e afecto".
O que diz a lei: "O tempo das crianças não é o tempo dos adultos"
"As crianças não podem esperar eternamente até que os adultos se reorganizem". Mário Silva, juiz do Tribunal de Família e Menores, é de opinião que o sistema ajuda os pais a manter a guarda dos filhos, dá-lhes tempo e oportunidade."O que acontece muitas vezes é que esses progenitores, por vários factores, não querem ou não pretendem apenas apoio económico sem contrapartidas".
A opção de retirar a guarda das crianças aos pais é, insiste, fundamentada na lei e nos factos (os relatórios de assistentes sociais, psicólogos), perante a evidência de que as crianças correm riscos sérios. E podem estar em perigo por abandono, maus tratos, falta de afecto, excesso de trabalho ou comportamentos que comprometam o seu desenvolvimento.
E, ainda assim, o processo não se faz sem um debate judicial, no qual os pais podem contestar os factos e apresentar recurso das decisões tomadas pelo Tribunal. Para isso é necessário um advogado, mas o juiz lembra que quem não tem meios pode pedir apoio à Segurança Social. No entanto, não basta um advogado, é necessário contrariar aquilo que o Tribunal de Família e Menores entende como "actos de manifesto desinteresse". E que podem ser vários, a começar pelo afastamento dos pais em relação ao crescimento dos filhos. "São considerados 'actos de manifesto desinteresse' as visitas esporádicas dos progenitores aos filhos nas instituições de acolhimento, ao ponto de mal reconhecerem o seu desenvolvimento físico, muitas das vezes com o objectivo de afastar os filhos do seu encaminhamento para uma futura adopção, sem que nessas visitas se desenvolvam laços afectivos tendentes a sedimentar a relação parental".
Mário Silva deixa claro. As crianças não são retiradas aos pais pela pobreza. "Registo a existência de excelentes pais e mães que vivem com graves dificuldades económicas. É certo que os progenitores que têm maiores recursos económicos e instrução estão à partida em melhores condições para exercer de forma adequada as suas capacidades parentais".
Certo é que as crianças não podem ficar eternamente nas instituições à espera. Existem prazos e, findos estes, o juiz entende que se deve encontrar um projecto de vida para os menores, que pode ou não passar pela adopção. "Os filhos não são propriedade dos pais, são sujeitos de direitos, e como tal têm direito a que se lhes defina um projecto de vida, no caso de falência da família biológica; se possível, no seio de uma outra família".
Condições para adopção
a) Se o menor for flho de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) Se os pais tiverem abandonado o menor;
d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de saúde mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;
e) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

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