segunda-feira, março 09, 2009

Regional Sul - Diário da campanha




Ao longo das últimas semanas, tenho participado em diversas visitas que realizámos junto de muitos colegas com vista a transmitir-lhes as nossas ideias e o projecto que defendemos para a Associação Sindical dos Juízes Portugueses mas também para, e em especial, ouvir os juízes.
Por impedimentos profissionais pontuais, não pude acompanhar pessoalmente o Dr. Carlos Marinho, candidato a Presidente da Direcção Nacional pela Lista B e principal rosto do nosso projecto "RECONSTRUIR A ESPERANÇA", a todos os tribunais que foram já contactados.
Outros tribunais e outros colegas serão ainda visitados até ao termo desta campanha.
Contudo, os contactos já efectuados justificam estas minhas palavras de reflexão que espero que entendam como um simples "pensar em voz alta" sobre algumas questões.
Devo confessar-vos que os contactos efectuados têm sido bastante enriquecedores.
Na solidão dos gabinetes ou das nossas casas e da função de decidir e julgar das salas de audiência, os juízes reflectem sobre os problemas que nos preocupam, como magistrados e como cidadãos, mas raramente temos a possibilidade de saber que as nossas questões, preocupações e anseios são partilhados por outros juízes, ainda que as áreas geográficas não sejam semelhantes, quer sejam juízes do interior ou do litoral, quer exerçam funções numa grande cidade ou numa pequena vila.
A título de mero exemplo, direi que foi enriquecedor ouvir um juiz de Setúbal que, partilhando comigo as dúvidas que sempre tive sobre a desmaterialização, afirma ter também reservas sobre o modelo escolhido, sobretudo quando nos obriga a um esforço fisiológico imenso que nem um monitor de maior dimensão conseguiu diminuir.
Foi enriquecedor ouvir uma juíza de Torres Vedras que, conhecedora da realidade da área geográfica onde exerce funções, afirmava que o modelo de organização judiciária preconizado para entrar em vigor no próximo mês de Abril iria afastar os cidadãos de determinado município da administração da justiça de que são beneficiários, criando uma rede judiciária que se afasta das demais realidades.
Foi enriquecedor ouvir os juízes de Beja e Portalegre que partilharam connosco as dúvidas sobre a intervenção associativa, evidenciando que são muitas as questões que aproximam os juízes e que podem ser o ponto de partida para uma actividade associativa que não exclua nenhum juiz.
Foi enriquecedor ouvir os juízes do Algarve que mostraram que um modelo de acesso e de progressão na carreira que não privilegie a experiência de julgar e que assente em modelos académicos é injusto e desigual porque os exclui à partida e apenas por meras circunstâncias geográficas.
Foi enriquecedor ouvir as dúvidas e reservas dos juízes de Santiago do Cacém e de Sintra que serão, a breve trecho, experimentadores de uma nova realidade judiciária que, em nome das economias de escala e dos modernos modelos de gestão, não soube acautelar o normal funcionamento dos tribunais, gerando uma espécie de juízos a "duas velocidades" e com uma arquitectura interna baseada apenas em elementos estatísticos e quantitativos pouco fiáveis.
Foi enriquecedor ouvir os juízes de Lisboa, afirmando não se considerarem titulares de direitos profissionais em toda a sua plenitude, apenas porque o modelo de férias judiciais não consegue implementar-se anualmente sem que os juízes sacrifiquem os seus direitos, simplesmente porque "não é (nem nunca será) possível meter o Rossio na Betesga" e sem que tenha havido uma voz firme nestes últimos três anos que diga o que para todos continua a ser uma evidência.
Foi enriquecedor ouvir os juízes de todos os tribunais que visitámos concordarem que o sistema informático preconizado para a prática de actos processuais (CITIUS-MJ) não se pode transformar numa espécie de orientação técnica que se sobrepõe às regras processuais e que provêm de uma fonte não legitimada.
Foi enriquecedor ouvir os juízes de Loures e de Torres Vedras que afirmaram que a desmaterialização não se compadece com a falta de acesso à informação no processo quando se é juiz num círculo judicial e esse acesso não existe, obrigando a uma adequação através de provimentos que o juiz não deveria ser obrigado a proferir se o sistema fosse implementado e desenhado de acordo com as suas necessidades.
Foi enriquecedor ouvir alguns juízes que se preocupam ainda com os seus direitos profissionais, como o direito a uma remuneração adequada à função que exercem, a uma maternidade exercida sem limitações, a uma formação permanente que não seja um logro para o sistema e, particularmente, algo que se repercute negativamente no juiz quando regressa ao seu gabinete depois de um período de formação.
Sobretudo foi enriquecedor saber que os problemas e questões que nos preocupam são também partilhados por todos aqueles com quem contactámos e com quem trocámos impressões ou que nos transmitiram as suas opiniões.
Gostaria que esta reflexão ou este "pensar em voz alta" servisse para mostrar aos colegas que não estão sozinhos pois as preocupações e dúvidas que tivemos a oportunidade de discutir são partilhadas não apenas pelo colega do gabinete do lado mas também pelos colegas de outros tribunais das comarcas próximas ou até das mais afastadas.
Sobretudo, gostaria que esta minha reflexão em voz alta e com o recurso aos modernos meios electrónicos de divulgação, mostre que as questões e dúvidas que nos transmitiram não serão esquecidas.
E não serão esquecidas porque é fácil recordar o que partilhamos.
Bom trabalho a todos.
António José Fialho
Tribunal de Família e Menores do Barreiro
Fonte: reconstruiresperança.net.

Comentário:
Embora não seja meu objectivo tomar partido por qualquer uma das listas candidatas aos órgãos sociais da ASJP, não pode deixar de publicar esta mensagem pelo seguinte:
O meu aplauso para os colegas do Algarve que puseram em destaque uma constatação que infelizmente não tem sido abordada suficientemente pelos candidatos à ASJP que é o da descriminação dos juizes no acesso aos Tribunais Superiores com base em circunstâncias geográficas, dado que o curriculum académico é agora relevantíssimo naquele acesso.

Aqui ficam as seguintes perguntas: Como é que os juizes que exercem funções em tribunais distantes das cidades com faculdades de direito, nomeadamente nas Regiões Autónomas podem aceder a pós-graduações, mestrados ou doutoramentos na área do direito?
Será que para progredirmos na profissão temos que ir viver todos para Lisboa, Porto ou Coimbra?
Não seria de exigir ao Estado que suporte integralmente ou parcialmente os encargos com essa formação aos interessados em termos a regulamentar?
É que se nada for feito em sentido contrário no futuro os juizes de direito que ascenderão aos tribunais superiores serão apenas os provenientes de Lisboa, Porto ou Coimbra ou de povoações próximas destas cidades.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro colega

Obrigado pela divulgação da minha reflexão. Julgo que a mesma demonstra que, pelo menos, há uma candidatura que entende que existe uma discriminação por razões geográficas que tem que ser eliminada.
Por acaso, surgiu pelos colegas do Algarve mas poderia ter sido por Portalegre, Beja, Madeira ou Açores, ou Bragança e outros (em comum o facto de não disporem de uma faculdade de Direito perto).
Bom trabalho