terça-feira, novembro 25, 2008

Sociedade ainda muito "presa" à família biológica


"Nós ainda vivemos muito presos à ideia de que só em último caso é que nós podemos quebrar os laços que estão ligados à família biológica". A frase é de Laborinho Lúcio, juiz conselheiro do Tribunal de Justiça e um dos oradores da conferência que assinala o primeiro aniversário da CRIAMAR, no Centro de Congressos da Madeira.
O antigo ministro da Justiça afirma que é preciso ter "a consciência de que o primeiro direito da criança é o direito à família e à família biológica" e é nela que a criança deve fazer a constituição da sua realização de pertença e o seu desenvolvimento".
"Eu costumo dizer que toda a criança tem que ser adoptada, desejavelmente é adoptada pela família biológica, mas toda ela tem de ser adoptada." Contudo, "se a família biológica não 'adopta' a criança, limita-se a ser um conjunto de progenitores", então "há a necessidade de procurar a família", neste caso a adoptiva. "Agora, verdadeiramente, a grande resposta para a criança é a resposta em família e a resposta da família é ou a família biológica ou a família adoptiva. A partir daí são tudo respostas que eu diria menos positivas para a criança, que vão perdendo positividade à medida que se vão aproximando da última resposta, a instituição." No entanto, a decisão nem sempre é fácil: "Há circunstâncias que colocam algumas dúvidas, há outras que são óbvias, mas algumas outras não, e tem que se ter cuidado porque não se faz uma ruptura de uma relação biológica que não seja consideravelmente segura." Mais importante ainda, e segundo Laborinho Lúcio é aqui que muitas vezes "as coisas falham", é ter a noção de que "o tempo para fazer isto é o tempo da criança, não é o tempo dos pais biológicos". Ou seja, ao dar demasiado tempo aos pais biológicos para "reorganizarem a sua capacidade de amar" podemos com essa consideração estar a "violar" o tempo de "desenvolvimento e de habituação primária da criança" e é muitas vezes esse tempo dado à família biológica que faz com que as coisas "se arrastem de tal modo que quando se chega à conclusão definitiva de que a criança deve ser para adopção é tarde de mais". Resta-lhes depois as outras alternativas, nomeadamente a institucionalização, embora "a partir de um momento em que ela pretende ser um bem quando ainda não é um último recurso ela é claramente um mal". Laborinho Lúcio afirma por isso que aqueles que intervêm nestes processos têm de ser "mais rápidos" e "mais afoitos", mas também é necessária uma mudança cultural que "integre verdadeiramente a ideia de que a família adoptiva é uma família igual à família biológica", pois por família entende ser aquela "que adopta a criança como um outro e que a integra afectivamente e juridicamente, enquanto uma outra pessoa no contexto geral do conjunto de pessoas que formam a família".
Quando a adopção já não é possível, o mais importante é manter a qualidade da resposta, defende o ex-ministro, destacando a figura do apadrinhamento familiar, uma intervenção legislativa que está, agora, em preparação. "O apadrinhamento familiar tende a ser alguma coisa que se consolida no tempo, ao contrário de uma família de acolhimento, mas não é uma adopção", disse. Não há a constituição de uma relação de parentesco, mas torna-se também "melhor do que a instituição se estiverem a concorrer no mesmo tempo da criança".
Quanto aos direitos da criança, Laborinho Lúcio sublinha que estão salvaguardados pela Constituição e restante legislação portuguesa, embora haja a necessidade de evoluir. O mesmo refere em relação à convenção das Nações Unidas que constituiu um "passo decisivo no reconhecimento dos direitos da criança e da criança enquanto sujeito de direitos", mas que também ela própria deve ser interpretada de uma forma evolutiva, uma vez que alguns dos seus aspectos podem, agora, ser interpretados como demasiado "conservadores".
Além de Laborinho Lúcio fazem parte do painel de convidados da CRIAMAR, Maria Barroso, enquanto presidente da Pro Dignitate, Natália Pais, vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança, e o jornalista Manuel Vilas Boas.
A conferência é dedicada ao tema 'A Educação, a Arte e a Cidadania' e tem início pelas 9h30.

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