sábado, novembro 15, 2008

Pais deixam pensões “a arder”

Há cada vez mais casos de incumprimentos no pagamento de pensões de alimentos. Não chegam a ser uma maioria, mas já são muitos e acabam por criar grandes problemas ao Tribunal de Família e Menores do Funchal, já sobrecarregado, até porque, por ali, em média, passam dois mil processos por ano.Uma situação que afecta mais os pais, até porque na grande maioria dos casos, a guarda é dada às mães.
O juiz presidente do Tribunal de Família e Menores do Funchal, juiz Mário Silva, diz que esta é uma situação que acontece agora com o novo regimento jurídico do divórcio como poderá acontecer com a nova Lei, que deverá entrar em vigor a 1 de Dezembro (ver texto página 5).
Segundo Mário Silva, «a maioria, felizmente, cumpre». Mas, com a actual crise financeira, os casos vão tender a agravar-se.
Na generalidade, destaca, «os casos de incumprimento devem-se a situações de desemprego, de trabalhos temporários, de ausência do progenitor da Região». Mas, «existem ainda casos de represália por não existir o direito de visita como entende e há também os que não querem, pura e simplesmente, pagar, porque assumiram outra família, outros encargos».
Aliás, os direitos de visita ocupam grande parte do tempo do Tribunal, «sobretudo por parte dos pais que protestam face aos obstáculos levantados pelas mães».
Outras vezes, são os jovens que não querem estar com o pai, porque eles aparecem sob o efeito do álcool ou de estupefacientes, ou porque estiveram ausentes durante bastante tempo ou ainda porque já são adolescentes e querem estar com os amigos.
«Somos chamados a tentar intervir, mas as pessoas têm de compreender que esta é uma área onde os tribunais não podem ter 100% de eficiência. Querem que os tribunais os substituam na resolução dos conflitos e nem sempre isso é possível» — destaca Mário Silva. Daí já ter reivindicado a existência na Região de um serviço de mediação familiar, público ou privado.
«A mediação familiar terá de ser sempre um complemento da actividade do tribunal, mas permitiria que muitos dos casos fossem remetidos para os serviços de mediação familiar e que as pessoas em sessões contínuas e com determinados profissionais, conseguissem ultrapassar determinados obstáculos que têm do ponto de vista psicológico e, num ambiente mais informal, resolvessem determinados conflitos» — disse. Um serviço que ainda não existe na Região, embora haja algumas pessoas com o curso.
Recorde-se que o Ministério da Justiça pondera a criação de serviços de Mediação Familiar nas áreas onde existam Tribunais de Família e de Menores, ou seja também para o Funchal.
Mário Silva concorda e lembra que, em muitos países europeus, a mediação familiar é obrigatória, «onde as pessoas antes de se divorciarem têm de recorrer a esses serviços, tentando a conciliação ou que o divórcio seja o mais pacífico possível».
Madeirenses têm dificuldade em dar o consentimento prévio
Uma das medidas previstas pelo Governo da República para a área da Família passa pela criação da figura das famílias de apadrinhamento. Uma questão que está a ser estudado pelo Centro de Direito de Família de Coimbra, cujo presidente é o professor Guilherme de Oliveira.
Segundo este, o apadrinhamento «é uma figura que tende a ficar a meio caminho entre a adopção e as famílias de acolhimento».
É, sobretudo, pensada «para jovens que já não podem ser adoptados, ou então em que a adopção não é conveniente». «E diverge das famílias de acolhimento porque enquanto que nas famílias de acolhimento existe um carácter temporário, os apadrinhamentos são quase uma situação definitiva, o que é uma boa solução, sobretudo para o caso dos adolescentes, em que muitos não querem ser adoptados» — explica.
E acrescenta: «É uma figura jurídica que vem aumentar as respostas de tipo familiar quando não for possível uma criança ser adoptada, mas haja famílias que queiram assumir o compromisso de cuidar dela. É a possibilidade de estabelecer um laço, um vínculo, menos que a adopção, mas mais que a tutela. a responsabilidade parental é da família que adere ao apadrinhamento, mas os pais biológicos mantêm os laços afectivos e jurídicos».
Neste momento, «havia a possibilidade de se dar a guarda no âmbito de um processo tutelar cível à família de acolhimento, mas isso trazia problemas em termos de subsídios de Segurança Social».
O juiz presidente do Tribunal de Família e Menores discorda ainda que se compare a realidade da Madeira e de Portugal Continental em termos de número de adopções, porque são áreas de tamanho e demograficamente diferentes e também com outras tradições culturais e familiares.
Por outro lado, lembra que, a nível nacional, existiam em Agosto último 12.245 crianças institucionalizadas, enquanto que na Madeira rondam as 260 em finais de 2007. «Ora, naquele cenário é normal que haja algumas centenas a mais que possam ser encaminhadas para a adopção, o que será sempre um grande aumento. No caso da Madeira, o número que podemos retirar para adopção será sempre pequeno, pelo que aumentar cinco ou seis crianças por ano não significa grande aumento» — disse.
Mário Silva lembra que, no último ano, tivemos 37 adopções.
Na Região, há uma dificuldade acrescida: a relutância das famílias, por ser um meio pequeno e porque há um conceito de família muito enraizado, mesmo que tenha consciência da sua incapacidade em cuidar dos filhos, em dar o consentimento prévio para adopção. No Continente, diz Mário Silva, já há muito mais facilidade nessa matéria. Na Madeira, preferem que sejam os Tribunais a decidir e isso faz com que o processo seja sempre mais moroso».
Nova lei divide o poder parental entre os cônjuges
Mário Silva alude a uma das principais alterações que a nova Lei do Divórcio traz: «No actual regime, só no caso de acordo é que havia o exercício comum do poder parental, agora estabelece-se como regra o exercício comum da responsabilidade parental e só nos casos em que o juiz achar que a medida não é a mais adequada para a criança e não se justificar esse exercício comum é que atribuirá a responsabilidade a um dos progenitores».
O juiz presidente do Tribunal de Menores refere-se ainda à noção existente (ressalva que a Polícia Judiciária é que tem um estatística mais correcta nesta área) «de que não há mais casos de abusos sexuais de menores, mas sim uma maior sinalização dos mesmos».
«Hoje em dia, as pessoas estão mais conscientes dos direitos, há mais gente a trabalhar no terreno e a sociedade está muito mais alerta para esta situação. Infelizmente até há pouco tempo algumas daquelas situações eram toleradas. Mas, é preciso ter cuidado, porque há muitas denúncias falsas e há outras que não se consegue provar.
Hoje em dia, se há mais possibilidades de abuso, porque há jovens que transitam de família para família, em casos de divórcios, a verdade é que também é mais fácil detectar esses casos» — conclui.
Legislação vai facilitar
O juiz presidente do Tribunal de Menores começa por ressalvar que, em relação ao novo Regime Jurídico do Divórcio, há que aceitar as diversas opiniões. E salienta que, na RAM, em média, acontecem um pouco acima de duzentos divórcios por ano, «a maior parte deles em mútuo consentimento».
Em 2007 decretou 289 divórcios.
No entanto, considera que, independentemente da opinião que se tenha sobre a nova lei, «esta legislação vai ao encontro da tendência maioritária dos países da Europa». «O que significa que, mais tarde ou mais cedo, esta ou uma lei muito parecida a esta, teria de entrar no nosso ordenamento jurídico, porque nós somos um país europeísta e seguimos, na grande maioria das vezes, as tendências dos países da Europa» — acrescenta.
O nosso interlocutor diz ser futurologia afirma-se que irá dificultar a vida dos juízes, mas critica a data escolhida (1 de Dezembro) para a nova legislação entrar em vigor«Não é propriamente o timing mais correcto para entrar em vigor uma lei, atendendo a que é uma época do ano em que os tribunais de família têm um acréscimo de serviço resultante da necessidade de resolver determinadas questões, como as visitas, numa época que é muito importante para a família. Normalmente, há muitos conflitos jurídicos nesta fase entre casais divorciados ou em fase de separação» — explica.
Quanto à lei em si, até acha vai facilitar um bocado. «A ideia do divórcio culpa deixa de existir, passa a haver um divórcio que é a constatação da ruptura dos laços familiares e penso que, portanto, a prova vai ser muito mais facilitada no sentido de decretar o divórcio» — opina.
Lembra também que «há algumas alterações de prazo que facilitam o divórcio, nomeadamente: exige-se agora separação de facto de um ano quando antes se exigiam três anos; as alterações das faculdades mentais do outro cônjuge, que eram de três anos e passaram para um ano; ausência de um dos membros sem dar notícia, que antes era de dois anos passa agora para um ano».
Mário Silva enfatiza igualmente que o novo Regime Jurídico «recorre a um conceito genérico, que é motivo para divórcio quaisquer outros factos que independentemente da culpa dos cônjuges mostrem ruptura definitiva de casamento, ou seja não é preciso fazer prova da violação dos direitos conjugais de forma reiterada e culposa». «Nesse aspecto, será mais fácil decretar o divórcio, sem o consentimento do outro cônjuge» — conclui o nosso interlocutor.

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