O ano judicial arrancou ontem, mas só a partir da segunda quinzena deste mês é que os tribunais vão retomar as diligências a todo o gás. Com os corredores vazios e as salas de audiência fechadas, a Vara Mista era o retrato da acalmia que se vivia ontem nos tribunais da Região - dois ou três funcionários judiciais organizavam processos pendentes e uma auxiliar de limpeza aspirava o pó de Agosto. A única diligência agendada para ontem acabara de ficar "sem efeito", pois os quatro magistrados estavam de férias.
O juiz Paulo Barreto, delegado regional da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, defende o anterior regime das férias judiciais, alterado pelo Governo em 2005. "A minha opinião é que esta é uma medida demagógica que não deu em nada, suponho que não é por aí".
A alteração do regime das férias judiciais aconteceu há três anos. Antes, os profissionais que prestam serviço nos tribunais poderiam usufruir de férias entre 16 de Julho e 14 de Setembro. Mas, em 2004, o Governo da República reduziu esse período a Agosto, em nome da recuperação urgente dos processos pendentes e da eficiência da Justiça Portuguesa. "O Governo quis demonstrar claramente uma atitude agressiva que nada tem a ver com a celeridade", conclui o juiz.
"De férias". Esta foi a resposta mais ouvida ontem. A juíza-presidente do Tribunal Judicial do Funchal, Joana Dias, estava "de férias" e ausente do Palácio da Justiça, onde Danilo Pereira, presidente da delegação regional do Sindicato dos Funcionários Judiciais - também em usufruto "de férias" - esteve de passagem, apenas para constatar o esperado "ambiente muito tranquilo": "só regresso na próxima semana", adiantou.
Na agenda do Tribunal Judicial do Funchal não estava marcada qualquer diligência e apenas três estavam previstas esta semana. É um despertar lento, à imagem da Justiça. O ritmo endiabrado só será encontrado a partir da segunda quinzena deste mês.
"Com a alteração do período de férias judiciais, só podemos tirar férias em Agosto e tirar 25 dias úteis não cabe em Agosto", explicou Danilo Pereira.
Depois, conciliar as férias entre os vários profissionais da Justiça, de modo a que sejam asseguradas as diligências logo no início de Setembro, é, ao contrário do parece, uma tarefa "muito complicada". O representante dos funcionários judiciais, exemplificou o caso do Tribunal da Vara Mista: "são três juízes, que tinham de conciliar as férias entre si, mais o procurador da República, e é muito complicado que, dentro do prazo limitado de tempo que existe, todas essas pessoas tirem férias na mesma altura, até porque têm de cumprir turnos a meio das férias".
Em causa, estão as notificações e os processos considerados urgentes (como presos preventivos suspeitos de crimes não graves). Sendo estes casos prioritários que obrigam à tomada de decisões judiciais imediatas, é necessário recorrer às sessões de audiência a meio de Agosto.
"Há secções onde os processos ficam parados quase dois meses", aponta Danilo Pereira. "Basta que o juiz tire o primeiro mês e depois venha trabalhar, e nessa altura o funcionário vá de férias", explica o lado mais caricato da Justiça. Conciliar as férias de juízes, procuradores do Ministério Público, funcionários judiciais e advogados "é praticamente impossível num tribunal colectivo", conclui o dirigente sindical.
"O problema não é apenas tirar 24 ou 25 dias em Agosto, é também que nesse mês, várias magistrados têm de fazer turnos de Verão", complementa o procurador da República, Luís Barateiro Afonso. Presente no Palácio da Justiça, o coordenador do Ministério Público na Madeira, justifica a ausência dos colegas. "Não estão todos os magistrados ao serviço porque alguns ainda estão de férias e outros foram transferidos e não tomaram ainda posse sobre aqueles que os iam substituir".
Por tudo isto, há a convicção de que o novo regime de férias judiciais está longe de imprimir celeridade à Justiça. Sinal disso, são as diligências marcadas esta semana nos vários tribunais do Círculo Judicial do Funchal - três na Comarca do Funchal (de um total de 173 previstos até 31 de Outubro), seis na Vara Mista (num rol de 178), quatro em Santa Cruz (de entre 176 agendados), sete no de Família e Menores (186 até finais de Outubro) e zero no do Trabalho (83 agendados), no de São Vicente (19), no do Porto Santo (27) e da Ponta do Sol, este último, que tem, à sua conta e até 31 de Outubro, o maior número de processos para despachar: 203. Com este lento despertar das férias, os tribunais de Santa Cruz, Funchal, Vara Mista e Ponta do Sol, arriscam-se a ver a média de quatro diligências por dia aumentar consideravelmente.
Ler noticia integral em Diário de Noticias da Madeira, de 2-09-2008.
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