Com o recente veto do Presidente da República ao Decreto nº 232/X que alterava o Regime Jurídico do Divórcio, os casamentos e os divórcios voltaram a estar na ordem do dia. Não será despiciendo recordar que segundo as estatísticas do INE referentes ao ano de 2006 foram decretados 23.935 divórcios, o que significa que por cada 100 casamentos celebrados 48 acabam em divórcio e que este tem sido apontado como causa de um terço do incumprimento na Banca Portuguesa, o que representa mais de 800 milhões de dívidas incobráveis.
Este “boom” de divórcios só é comparado ao período pós 25 de Abril, quando com o Decreto-Lei nº 261/75, de 27 de Maio se tornou possível o divórcio para os casamentos católicos.
As alterações mais significativas que constam do diploma vetado traduzem-se no seguinte:
1 — Estimula-se a divulgação dos serviços de mediação familiar impondo uma obrigação de informação aos cônjuges, por parte das conservatórias e dos tribunais.
2 — O juiz pode decretar o divórcio por mútuo consentimento, com base apenas no acordo dos cônjuges sobre o próprio divórcio. Faltando algum dos “acordos complementares”, o juiz decide as questões sobre que os cônjuges não conseguiram entender-se, como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
3 — Elimina-se a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais (o chamado divórcio-sanção), desaparecendo a culpa e alargam-se os fundamentos objectivos da ruptura conjugal. A lei passa a prever quatro situações em que um cônjuge pode pedir o divórcio sem o consentimento do outro: a separação de facto por um ano consecutivo; a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum; a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano e quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
4 — Em caso de divórcio, a partilha far-se-à como se os cônjuges tivessem estado casados segundo o regime de comunhão de adquiridos.
5 — Em situação de dissolução conjugal, poderá haver lugar a um crédito de compensação em caso de desigualdade manifesta de contributos para a vida conjugal e familiar ao nível dos cuidados com os filhos e do trabalho despendido no lar, a ser satisfeito no momento da partilha, e desde que não vigore o regime da separação.
6 — Os pedidos de reparação dos danos serão julgados nos termos gerais da responsabilidade civil, através de acções próprias e nos tribunais comuns, com excepção dos danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento, com fundamento em insanidade mental; caso em que o pedido será deduzido na própria acção de divórcio.
7 — Estabelece-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais relativamente aos “actos de particular importância”, salvo quando o tribunal entender que este regime é contrário aos interesses do filho, caso em que através de decisão fundamentada, deve determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. A responsabilidade pelos “actos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra.
8 — O incumprimento do regime sobre o exercício das responsabilidades parentais passa a constituir crime de desobediência.
9 — Afirma-se o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência e que a obrigação de alimentos tem um carácter temporário, sendo que por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.
10 — Consagra-se também o princípio de que o credor de alimentos não tem o direito de manter o padrão de vida de que gozo enquanto esteve casado.
11 — A afinidade cessa com a dissolução do casamento por divórcio.
O veto do Presidente da República baseou-se nos seguintes fundamentos:
1 — Um cônjuge que viole sistematicamente os deveres conjugais previstos na lei – por exemplo, uma situação de violência doméstica — pode de forma unilateral e sem mais obter o divórcio e, sobretudo, pode daí retirar vantagens aos mais diversos níveis, incluindo patrimonial. À parte mais frágil ou alvo de violação dos deveres conjugais são retiradas algumas possibilidades que actualmente detém para salvaguardar o seu “poder negocial”, designadamente a alegação da culpa do outro cônjuge ou a recusa do divórcio por mútuo consentimento. Não deve a lei, por acção ou por omissão, agravar essa fragilidade, bem como, por arrastamento, adensar a desprotecção que indirectamente atingirá os filhos menores.
2 — A criação do crédito de compensação permite uma visão “contabilística” do matrimónio, em que cada um dos cônjuges é estimulado a manter uma “conta corrente” das suas contribuições para os encargos da vida conjugal e familiar. Existe, assim, uma forte probabilidade de aquela visão “contabilística” ser interiorizada pelos cônjuges, gerando-se situações de desconfiança algo desconformes à comunhão de vida que o casamento idealmente deve projectar.
3 — Em caso de divórcio, pretende-se impor agora na partilha um regime diferente daquele que foi escolhido por ambos os nubentes no momento do casamento.
Este veto desencadeou naturalmente aplausos e críticas que representam de um modo geral visões diferentes do casamento. De um lado, temos uma visão apelidada de “conservadora” do casamento e do outro lado uma visão apelidada de “moderna” do casamento.
Para a primeira posição, o legislador assume-se como um promotor do divórcio, uma vez que, ao torná-lo liberal, célere e fácil, não reconhece o casamento e a família como um elemento estruturante da sociedade. O casamento transformar-se-ia num contrato duvidoso sem obrigatoriedade de cumprir obrigações livremente assumidas; sem liberdade de ter o regime de casamento escolhido; sem protecção do cônjuge que se encontre em situação mais fraca; sem assegurar a devida e essencial protecção dos filhos menores e sem qualquer consequência para o cônjuge que viole os deveres conjugais previstos na lei.
Por seu turno, para a segunda posição, a culpa deve ser banida, tal como acontece na maioria dos países europeus dado que é difícil atribuir culpa apenas a um dos cônjuges; e que a mesma só serve para as pessoas que outrora se amaram se digladiarem num espectáculo deprimente e de sofrimento, em que põem em causa a sua dignidade e privacidade em troca de uma declaração de culpa com objectivos puramente patrimoniais. Pretende-se evitar que as pessoas ganhem dinheiro à custa do casamento, funcionando este como uma espécie de seguro patrimonial e que de nada vale obrigar os cônjuges a viverem casados, quando um deles não se quer. Sustenta ainda que a dimensão afectiva é o núcleo fundador e central da vida conjugal, sem esquecer a sua dimensão contratual, económica e patrimonial e que como aquela é decisiva para a felicidade individual, tolera-se mal o casamento que se tornou fonte persistente de mal-estar.
Seguramente, a maioria da população concorda que o divórcio não deve ser excessivamente facilitado nem dificultado, mas encontrar o ponto de equilíbrio nestas questões pessoais, tão íntimas não é seguramente fácil. Será porventura útil que o dito diploma seja objecto de uma avaliação quanto às suas consequências.
Finalizo, dizendo que nenhuma lei basta, por si só para fazer justiça, cabendo antes aos tribunais encontrá-la em cada caso mas que a opção por um divórcio litigioso com ou sem culpa remete-nos para uma questão ideológica a decidir pelo poder político.
Texto publicado no Jornal da Madeira, de 11-09-2008.
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