O juiz do Tribunal de Família e Menores do Funchal, Mário Silva, diz que não é correcto passar para a sociedade a ideia de que os comportamentos dos jovens gozam de impunidade. Todavia, o juiz chama a atenção para o facto de «estamos a lidar com jovens e que a finalidade principal da lei é educá-los, é pensar no interesse deles e não em termos de punição».
A reflexão do magistrado vem a propósito da disparidade constante entre o número de participações feitas à polícia e a quantidade de processos tutelares educativos no tribunal.
Segundo a última edição do semanário “Sol”, a estatística da Reinserção Social da Madeira revela que, neste momento, há 30 processos a ser acompanhados pelo tribunal de menores, a maioria dos quais relacionados com furto e roubo, enquanto que há três anos a Polícia de Segurança Pública já registava, por mês, a ocorrência de oito crimes cometidos por menores de 16 anos.
Uma das razões para esta discrepância, no entendimento de Mário Silva, é não haver «factos com uma gravidade tão grande» na Madeira que motive a vontade de as vítimas continuarem a denúncia e formalizarem a queixa.
Pelo contrário, acabam por desistir após a participação à PSP, dado o «incómodo» que terão para se deslocar aos serviços do Ministério Público, serem depois ouvidas pelo juiz e terem de dispensar tempo para o julgamento. Por isso, «há muita gente que depois não apresenta queixa», diz Mário Silva.
Sem falar de casos concretos, o juiz refere: «Às vezes acontecem aí fenómenos de uma certa delinquência em relação aos turistas mas que depois os estrangeiros não querem ser ouvidos em tribunal. Pura e simplesmente participam o caso mas depois quando é para formalizar uma queixa ou em termos de produção de prova não estão interessados nisso».
Mário Silva entende que seria preciso fazer um estudo para saber porque é que de imediato as pessoas reagem e depois, passados uns tempos, já desvalorizam o acto em si. Ainda assim, sugere: «As pessoas ao princípio ficam fulas, fazem uma queixa contra uma pessoa que não sabem quem é; depois descobrem que é um jovem e às vezes têm filhos da idade dele; e depois há uma certa desvalorização das coisas feitas pelos jovens, as pessoas desculpabilizam-nos mais do que se fosse um adulto».
Por outro lado, «as pessoas têm um bocado de pena dos jovens», pois as medidas tutelares, apesar de tudo, ficam registadas e é sempre um passado que o jovem acaba por adquirir.
Há ainda outro factor, na óptica do juiz, e que é em sede de processo tutelar educativo as pessoas não serem ressarcidas dos prejuízos, o que implica que terão de accionar os pais em sede do tribunal judicial, num processo civil.
Por outro lado, e comentando o número de processos suspensos actualmente (10), o juiz diz haver casos em que os jovens cometem um facto que possa ser considerado como crime e depois chega a altura da decisão e se entende que já não há necessidade e não se aplica.
É que, tal como recorda, estes processos não se podem equiparar ao direito penal, já que nestes o «interesse é, no fundo, educar o menor para o direito e no sentido de o proteger».
Juiz reconhece que a falta do espaço para internamento dos jovens na Região é uma «condicionante», mas...
Falta de centro educativo não determina decisão
Mário Silva diz que o Tribunal de Família e Menores tem em conta a ausência de um centro educativo na Madeira, mas garante que esse facto não condiciona a decisão judicial na aplicação das medidas tutelares.
Na verdade, a Madeira até já tem concluído o seu centro educativo há mais de um par de anos, mas a instituição continua de portas encerradas, à espera do desbloqueio da República. Ora, não havendo sítio para ficar, os jovens que a quem é aplicado o internamento têm de ir para os centros educativos no continente. E, neste momento, quatro madeirenses estão sob esse regime interno.
Mário Silva diz que o tribunal é sensível à questão da separação das famílias a que os jovens ficam sujeitos, mas garante que essa circunstância não faz alterar «de maneira nenhuma, a medida que vai aplicar».«É evidente que temos de pensar nisso, temos de pensar que vamos mandar um jovem para o continente, cortando os laços com a família.
É mais uma condicionante, agora não é determinante», sublinha, referindo, por outro lado, que, em certos casos, até é melhor manter o jovem afastado da família.
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