quarta-feira, dezembro 12, 2007

A violência doméstica e a vitimização das crianças


“O lar é para muitas crianças o lugar mais perigoso”
Brown

O fenómeno da violência doméstica e do mau trato no seio da família não são novos embora só desde há algumas décadas tenham começado a ser considerados como um grave problema social. Vem isto a propósito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres que se celebrou no passado dia 25 de Novembro.
E se a criança por si só é o elemento mais frágil numa família, essa vulnerabilidade torna-se mais visível e preocupante nos casos de violência doméstica.
Segundo um recente relatório divulgado pela ONU, todos os anos 275 milhões de crianças presenciam actos de violência doméstica, com consequências negativas para o seu desenvolvimento.
Segundo um outro estudo, em cerca de 71% dos casos, há coincidência entre maus-tratos infantis e violência doméstica.
No caso de violência doméstica as crianças podem ser objecto directo de maus tratos (vitimização directa) ou assistir a agressões físicas ou psíquicas entre membros da sua família (vitimização indirecta).
Os maus-tratos podem causar sequelas nas crianças a curto, médio ou longo prazo, dependendo da intensidade, frequência e partes do corpo batidas, assim como da idade da criança.
Para as crianças de tenra idade, as lesões são muitas vezes cerebrais de que resultam défices neurológicos irreversíveis, podendo em casos mais graves conduzir à morte.
As principais sequelas a longo prazo incluem o atraso de crescimento ponderal e estatural, o atraso no desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem e de relacionamento social, insucesso escolar, perturbações de personalidade, baixa de auto-estima e da expectativa pessoal e profissional, sentimentos de inferioridade, distúrbios de comportamento, comportamentos sociais de risco, pensamentos e comportamentos autodestrutivos, angústia, tristeza, agressividade e aumento da delinquência e da criminalidade.
Combater a violência doméstica é muito difícil, não só porque isso implica entrar na privacidade e na intimidade das pessoas e das famílias mas também porque a violência ocorre normalmente em espaços habitacionais privados, sem a presença de testemunhas e quando há testemunhas normalmente são membros da mesma família. Trágico é quando as únicas testemunhas são os filhos menores do casal e têm de depor.
Nos casos de violência doméstica, e porque a criança normalmente está em perigo para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, tal como se encontra definida no artigo 3.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro a actuação dos Tribunais de Família e de Menores tem de nortear-se desde logo pelos seguintes princípios:
• interesse superior da criança e do jovem — a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
• privacidade — A promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
• intervenção precoce — a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida.
• proporcionalidade e actualidade — a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
• responsabilidade parental — a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
• prevalência da família — na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção;
• Obrigatoriedade da informação — a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
Além disso, é preciso ter em conta, outros factores como: a idade da criança, o impacto da violência na criança, a saída ou não do progenitor agressor do lar familiar, a saída ou não do outro progenitor do lar familiar, a presença de outros membros da família dentro do mesmo espaço habitacional ou fora dele e que possam garantir à criança um ambiente protector e securizante
.É em face destes princípios e factores que o Tribunal actua de acordo com a Lei n.º 147/99, de 1-09 e como está sujeito ao princípio da legalidade só pode aplicar uma das seguintes medidas de promoção e protecção previstas no artigo 35.º do mesmo diploma: a) apoio junto dos progenitores; b) apoio junto de outro familiar; c) confiança a pessoa idónea; d) acolhimento familiar; e) acolhimento institucional e f) confiança judicial com vista a futura adopção.
Convém ainda recordar que nos termos do artigo 66.º, n.º 2 do citado diploma é obrigatório para todas as pessoas a comunicação das situações que ponham em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade da criança ou do jovem.
É assim importante que todos os profissionais, como é o caso dos enfermeiros, médicos nos centros de saúde e hospitais, assistentes sociais, psicólogos, vizinhos, familiares e outras pessoas como os familiares e vizinhos façam as necessárias denúncias, porque ignorar um mau trato infantil é comprometer o futuro de uma criança e impedir que se actue em tempo útil sobre a família em crise.
De enaltecer a aprovação recente pela Assembleia-Geral das Nações Unidas de uma resolução que cria a figura do representante especial para a violência contra as crianças, com o objectivo de dar visibilidade a uma situação que afecta milhões de crianças em todo o mundo.
A criação do novo cargo, que responderá perante o secretário-geral da ONU, foi aprovada no Comité dos Direitos Humanos da Assembleia-Geral com 176 votos a favor e um voto contra, o dos Estados Unidos da América.
Uma palavra ainda de concordância para a solução consagrada no n.º 6 do artigo 152.º do Código Penal (na sua redacção actual) que prevê que quem seja condenado pelo crime de violência doméstica possa ser inibido do exercício do poder paternal. É caso para dizer, que já era de tempo de não dissociar a violência conjugal da violência familiar.
Finalizo, citando uma mensagem publicitária do Conselho da Europa “tudo começa com um grande grito mas espera-se que tudo não acabe num grande silêncio".
Mário Rodrigues da Silva

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