quarta-feira, dezembro 05, 2007

Geração Violência

O ano ainda não terminou mas o número de casos denunciados à Polícia de Segurança Pública sobre filhos que agridem os próprios pais já superou em 72% o registado em 2006.
Pai, mãe, padrasto ou madrasta são quem mais sentiu na pele a evolução das repercussões físicas e psicológicas do crime de maus tratos que, desde 2000, assume a configuração de natureza pública (prescinde de queixa para ser investigado). Entre Janeiro e Novembro, 64 progenitores apresentaram queixa contra os filhos. No ano passado tinham sido apenas 18. O crime de maus tratos a cônjuge ou companheira assume a maior fatia da violência doméstica na Madeira (74%), atendendo ao grau de parentesco entre agressor e vítima: 413 denúncias confirmadas nos balcões da PSP. Porém, foi a violência exercida por 'filhos contra pais' e por 'pais contra filhos' que mais aumentou este ano: 72% e 43% respectivamente.
"São casos relacionados nem tanto com a violência tradicional, que resulta do alcoolismo, mas com estas novas formas de maus tratos: pais que são violentados pelos filhos por causa da toxicodependência", analisa o padre Francisco Caldeira, pároco em Santa Cecília, Câmara de Lobos
Vítimas de maus tratos chegam a "fugir" da ilha
Pelo menos sete famílias, vítimas de violência doméstica, já foram obrigadas a sair da Região. O medo psicológico de reencontrar o agressor, que as persegue diariamente, é a principal causa da opção de ir viver para fora, como apontou Teresa Carvalho, psicóloga do serviço técnico da Segurança Social, ontem, num colóquio sobre esta temática.
Vencer o medo e sair de casa, pondo fim a uma situação de sofrimento que lhes marcou a vida, nem sempre é fácil. A vítima considera, muitas vezes, a submissão como a única opção, e conforma-se com a "sua malfadada sorte". O receio de represálias, e do aumento da violência, também funciona como um inibidor do pedido de ajuda. A ocultação dos maus tratos pela vítima, movida pela esperança de superar este mau momento do casal, torna impossível contabilizar os casos de violência em ambiente familiar.
Anualmente, chegam ao Centro de Segurança Social da Madeira mais de 100 pedidos de ajuda. Só no primeiro semestre de 2007 foram registadas 64 queixas, revelou a psicóloga, acrescentando que cerca de 70% dos casos de violência doméstica começam no namoro do casal. "É preciso estar atento aos sinais para prevenir futuras agressões", disse.
Segundo Teresa Carvalho, este é um problema enraizado na nossa cultura, um ciclo de desespero que conduz à degradação da vítima. A psicóloga sublinhou que quando a violência doméstica envolve traição, a vítima tem uma maior facilidade em pedir ajuda. "A infidelidade não é tolerada", concluiu.

Cada vez mais crianças nas casas de acolhimento

No primeiro semestre deste ano cerca de 120 crianças foram acolhidas nas casas de abrigo para vítimas de violência doméstica, juntamente com as suas mães, um número que representa mais do dobro do registado em 2006, na Região.

Segundo a psicóloga Teresa Carvalho, a criança, confrontada com as cenas de maus tratos entre os pais, "torna-se a protectora da vítima". Ontem, durante um colóquio sobre violência doméstica, Teresa Carvalho disse que ficou impressionada com a reacção de uma criança quando foi acolhida por uma instituição. "Ela chorava muito e disse: agora quem é que vai ajudar a minha mãe", contou, explicando que a criança ali sentia-se protegida, mas impotente face à vulnerabilidade da mãe.
No último ano, o número de vítimas, todas mulheres, que foram acolhidas nestas casas de abrigo quase triplicou. De Novembro de 2006 a Junho de 2007, passaram de 29 para 54. Embora Teresa Carvalho tenha sublinhado que existem casos de violência que vitimam homens, eles não são recebidos nestas casas de acolhimento.

A intervenção da Segurança Social
Na resposta aos pedidos de ajuda, o primeiro passo a dar é, segundo Teresa Carvalho, "a avaliação do risco que a queixa acarreta", uma vez que pode desencadear mais violência, caso o agressor tenha conhecimento que houve um pedido de ajuda. "O agressor é egocêntrico, culpa a vítima pelo seu próprio comportamento e não se apercebe do mal que lhe faz", justificou a especialista.

Nestes casos, é preciso salvaguardar a protecção da vítima, por isso, com o seu consentimento, ela é acolhida numa das três casas de abrigo que existem na Região, podendo permanecer lá até no máximo um ano, acompanhada pelos seus filhos. Passado esse período, há uma fase de 'transição' antes do regresso à vida em sociedade, na Casa de Santa Rita de Cássia, cuja localização, tal como a das casas de acolhimento, é sigilosa para evitar que a vítima seja perseguida pelo agressor.
A equipa de apoio à mulher vítima de violência doméstica do Centro de Segurança Social, criada em 2002, além de assistência em casos de maus tratos, proporciona também terapia familiar ao casal, procura facilitar a comunicação, e promover a auto-ajuda.

Agressor tem passado de maus tratos na infância, e a vítima é mulher

Estudos mostram que as crianças expostas à violência doméstica tornam-se adultos perturbados, mas não necessariamente agressores, revelou ontem, Teresa Carvalho, psicóloga no Centro de Segurança Social. "O agressor tem um passado de maus tratos na infância, mas não é vinculativo que uma criança vítima de violência se torne agressor", justificou. "É alguém que não sabe lidar com a ansiedade, e não controla o seu comportamento e emoções".
A maioria das vítimas que recorrem à ajuda da equipa de apoio à vítima de violência doméstica, da qual Teresa Carvalho faz parte, é do sexo feminino, casada, tem apenas a quarta classe, e uma idade média situada entre os 35 e os 44 anos, pois é nesta faixa etária que "perdem a esperança", disse.

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