domingo, janeiro 21, 2007

Todas as semanas uma criança é vítima de abusos sexuais na Madeira


Mais de meia centena de crianças são vítimas de abusos sexuais todos os anos. O número de inquéritos abertos pela Polícia Judiciária (PJ) revela que pelo menos uma criança com idade inferior a 16 anos sofre os estigmas da pedofilia todas as semanas na Região Autónoma da Madeira. A evolução dos últimos 11 anos indica que há uma crescente consciencialização pública para a gravidade destes crimes. O abuso sexual de menores é, assim, uma realidade cada vez mais denunciada na Região.
No ano passado, 53 casos foram expostos à PJ, por haver fortes suspeitas de práticas pedófilas. Dizem as estatísticas do Departamento de Investigação Criminal da PJ, a que o DIÁRIO teve acesso, que 42 inquéritos estão ainda hoje a decorrer. Para já, um arguido foi preso, seis já ouviram a acusação pelo Ministério Público e 15 viram os processos terem despacho de arquivamento.
A pedofilia é um fenómeno que não obedece a classes sociais ou a critérios geográficos, manifestando-se um pouco por toda a Região. Em 2006, apenas São Vicente ficou de fora do registo criminal - o que não significa que, na prática, esteja isento no mapa de crimes desta natureza. O Funchal liderou com 27 casos, seguindo-se Câmara de Lobos com 11, quatro no Porto Santo, três em Santa Cruz e na Ponta do Sol e um nos seguintes: Calheta, Porto Moniz, Machico, Santana e Ribeira Brava.
Comparativamente com o período homólogo anterior, assistiu-se, em 2006, a um aumento de 16 por cento do número de casos relacionados com a pedofilia. Em 2005, deram entrada 45 processos na PJ: três indivíduos foram presos, 12 acusados e 31 viram os processos serem arquivados. Analisando a evolução dos inquéritos abertos para a investigação de crimes de abuso sexual de menores ao longo dos últimos 11 anos, verifica-se que, em 2003 e 2004, houve um recorde de denúncias: 70 e 80, respectivamente. Não deixa de ser relevante o facto de mais de meia centena (51) dos crimes investigados em 2004 terem acontecido no concelho do Funchal, ou seja, 64 por cento do total regional.
Mas, o aumento no quadro evolutivo deste tipo de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, aconteceu no período compreendido entre 2000 e 2004 - passando de 17 para 80 crimes.
Tal contrasta bastante com as queixas apresentadas à PJ em finais da década de 90, facto revelador do quanto a pedofilia era tema tabu: três queixas em 1995, cinco em 1996 e 1997. Para o inspector coordenador da PJ, a explicação é simples: "muitas vezes o próprio agressor é o sustento da estrutura familiar, ou então, é uma figura próxima, é o primo, o tio, o cunhado, o irmão, o avô". Tal levou a que, no período em análise, a pedofilia fosse vivida "num casulo de segredo".
Conforme ilustra o gráfico acima publicado, o aumento de inquéritos que deram entrada na PJ, entre 2001 e 2006 - 34, 48, 70, 80, 45 e 53 - pode suscitar duas leituras: ou as crianças são hoje mais coagidas por pedófilos, ou há uma crescente predisposição da comunidade em geral para denunciar.
O inspector coordenador da PJ-Funchal, Calado de Oliveira, não tem dúvidas de que se trata de uma mudança de consciencialização e de mentalidade dos cidadãos - um fenómeno que acabou por ser empolgado pelo processo 'Casa Pia'. A forte mediatização do julgamento do caso de abuso sexual de crianças da Instituição Privada de Solidariedade Social de Lisboa - que, pela primeira vez em Portugal (e vários anos após a data em que os crimes foram praticados) constituiu vários arguidos, entre figuras públicas - despertou a sociedade portuguesa e madeirense para a gravidade de um dos crimes com maior índice de cifras negras (realidades que existem mas sobre as quais não há registo). "O processo Casa Pia é um marco histórico na denúncia e na criação desse sentido de cidadania, de consciência social e familiar, porque muitas das famílias ganharam coragem (pais, mães, tios, avós) de denunciar", apontou Calado de Oliveira.
Os abusos sexuais de menores "é algo que sempre existiu, mas estava fechado", diz o responsável máximo pela PJ. O empenho é global e o esforço não se restringe à investigação policial. "Não foram só as polícias que se especializaram, também nas escolas os professores começaram a estar mais atentos aos alunos, a ver porque é que as crianças tinham um mau aproveitamento escolar, porque é que se escondiam, porque motivo tinham um comportamento mais expressivo ou mais retraído sobre a sua intimidade, do que aquilo que seria normal para a sua idade", reconhece Calado de Oliveira.
Ora, diminuir as cifras negras e aumentar o número de crimes conhecidos, "é importante para melhor conhecer o fenómeno". A média de meia centena de crianças vítimas de maus tratos por ano é, no entender do inspector, uma estimativa que aproxima da realidade.
Tribunal arquivou 45% dos casos
Entre 1995 e 2006, os crimes de pedofilia na Madeira levaram o Departamento de Investigação Criminal da PJ-Funchal a abrir 412 inquéritos: 40 foram condenados a pena de prisão, 134 arguidos foram acusados pelo Ministério Público e 242 foram absolvidos, decidindo-se o tribunal pelo arquivamento por haver provas insuficientes, ou seja 45 por cento.
Fonte: Edição impressa do Diário de Noticias da Madeira, de 21-01-2007.

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