Nos últimos dois anos, 38 crianças foram retiradas à guarda dos pais e colocadas em famílias de acolhimento. Maus tratos físicos e psíquicos, carência habitacional, alcoolismo, toxicodependência ou comportamentos de risco por parte dos progenitores, como o abuso sexual, resumem grosso modo os motivos que determinaram a intervenção do Tribunal.
Apesar de tudo, a realidade regional é totalmente diferente da do continente, onde têm sido conhecidos casos de crianças a pagar com a própria vida os 'azares' e as 'vicissitudes' que condicionam a vida dos pais.Falando na qualidade de Comissária Regional da Protecção de Jovens e Menores, Bernardete Vieira defende que a Região tem ficado à margem dos casos graves que têm marcado o quotidiano de outras partes do país, pois "aqui é possível haver um trabalho de articulação eficaz e célere" entre as comissões, técnicos no terreno, Tribunal e acompanhamento da família. A atenção de todos face ao problema também têm crescido, daí que as denúncias tenham aumentado e produzidas em tempo útil.
Segundo os dados da Segurança Social, 23 crianças foram retiradas aos pais e colocadas em famílias de acolhimento em 2006, enquanto que no ano anterior o número de decisões ascendeu a 15. A última contagem revela que 403 crianças encontram-se fora do meio familiar: 268 em instituições e 145 em famílias de acolhimento.
A retirada da criança do meio familiar, que pode ser feita com ou sem o consentimento dos pais, não significa que a solução para o seu caso tenha sido encontrada, observa Bernardete Vieira, também vogal do conselho de administração do Centro de Segurança Social da Madeira.
A colocação numa família de acolhimento ou numa instituição "não resolve o problema da criança", explica, observando que o "projecto de vida" que a Segurança Social pensa para cada caso, e que parte sempre do princípio de que o ideal é a reintegração na família biológica, tenha de, sobretudo, conseguir criar todas as condições para a independência futura da pessoa. Para Bernardete Vieira, a actuação das autoridades deve ser centrada em conseguir que o número de crianças que tenham de ser retiradas dos pais seja o mais baixo possível. Mas para tal "é preciso dar condições à família".
As crianças em situação de risco são maioritariamente detectados nos centros de saúde, creches, jardins de infância, escolas, por vizinhos e até familiares, que por sua vez comunicam às comissões de protecção de menores, que depois contactam os pais. Se estes não atendem às recomendações da Segurança Social, o processo toma uma via judicial.
O Tribunal de Família e de Menores do Funchal abrange muito provavelmente cerca de metade da área populacional do arquipélago (jurisdição sobre o Funchal, Câmara de Lobos e Santana).O juiz Mário Rodrigues, vice-presidente do órgão judicial, conhece assim como poucos a realidade das famílias de crianças em risco na Madeira. "Regra geral, tenta-se que a família se organize, normalmente com o apoio da Segurança Social, e dá-se um tempo, que não está previsto na Lei, nem tinha de estar", observa, pois os casos variam consoante "situações muito diferentes".
A "oportunidade" abrange não só a 'família nuclear' (pai e mãe) como também a 'família alargada' (tios, avós, etc.), lembra Mário Rodrigues. Só que "infelizmente há muitos casos em que nem sequer na 'família alargada' há um elemento que permita dar garantias de cuidar da criança".
A falta da prestação de cuidados básicos de alimentação, problemas habitacionais, de higiene, absentismo escolar e saúde está no topo das razões que levam o Tribunal a determinar a retirada de crianças dos pais, seguindo-se depois os maus tratos físicos, sobretudo derivado do alcoolismo que atinge muitos agregados familiares. "E não é só do pai. Há muitos casos de alcoolismo da mãe", elucida.
A par do alcoolismo, um "problema preocupante", como também reconhece Bernardete Vieira, o problema habitacional, refere o juiz, influencia muitas decisões judiciais, pois verifica-se que há muitos agregados familiares que habitam casas sem condições de acolhimento e ainda por cima para acolher um número elevado de pessoas.
A Justiça tem funcionado com a rapidez que a situação de haver uma criança em risco impõe? "Isso depende dos tribunais, mas posso dizer que no Tribunal de Família a impressão que tenho é que as coisas funcionam rápido, de uma forma célere", responde. Mas, mesmo assim, por vezes chega-se à conclusão de que a oportunidade "dada a determinada família foi tempo perdido".
Mário Rodrigues é juiz num ramo de direito "não muito técnico", no qual os processos se incluem na classe da jurisdição voluntária, o que significa que "nem sempre se tem de seguir uma legalidade estrita". Por isso toma-se mais as "decisões de acordo com o critério do bom senso".
"Nem sempre as soluções estão na lei", explica, e mesmo as que se "tomam num dado momento podem ter de ser alteradas e no próprio dia", relata. Mário Rodrigues considera que ainda devem existir crianças em risco cujos casos não são do conhecimento das autoridades. Os Tribunais de Família são recentes e só na década de 50 é que se começou a falar a sério nos direitos das crianças. Mas também é dos que defende que este tipo de situações tem diminuído, pois as pessoas têm perdido o medo de denunciar e passaram a encarar a realidade como um problema e não como algo normal.
Porém, o aumento do número de casos denunciados não quer dizer, que o problema - que sempre existiu sobre várias formas, basta lembrar que antes os pais encaravam os filhos como sua "propriedade", observa - esteja a agravar-se. Apenas pode ser mais o produto da maior publicidade e atenção que se passou a dar a esta problemática.
Ler noticia integral em Edição Impressa do Diário de Noticias da Madeira, de 7-01-2007.
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