«Os conflitos familiares, antes de serem conflitos de direito, são essencialmente afectivos, psicológicos, relacionais, antecedidos de sofrimento» Daniéle Ganância.
Os conflitos familiares são bastantes complexos porque envolvem emoções e sentimentos ocultos como mágoa, dor, vingança, entre outros. É precisamente nos conflitos familiares que a mediação familiar encontra a sua mais adequada aplicação, uma vez que a tensão das relações familiares exige em muitos casos, uma solução diversa da decisão judicial.
A mediação é um processo extrajudicial através do qual um profissional imparcial, qualificado e sem poder decisório, assiste às partes em conflito, principalmente para facilitar as vias de diálogo com vista a encontrar-se uma solução voluntária, aceitável e duradoura. Contribui para melhorar a justiça de família, possibilitando uma maior adequação, celeridade e eficácia das decisões judiciais e assim o descongestionamento processual nos tribunais e a melhoria das suas estruturas e do seu funcionamento. A Exposição de Motivos da Recomendação N.º R (98) 1 da União Europeia, chama a atenção para os seguintes benefícios resultantes da conclusão de acordos por via da mediação familiar: a criação e a manutenção das relações de colaboração entre os pais que se divorciam; maior observância das decisões tomadas por acordo; redução da complexidade e da duração de processos judiciais posteriores; redução dos custos financeiros e das despesas ligadas aos processos judiciais; redução dos custos sociais e psicológicos ligados ao divórcio. Verifica-se assim uma relação de complementaridade entre a mediação familiar e a justiça.
Apesar das vantagens da mediação familiar serem óbvias existem porém situações que claramente devem ser excluídas da mediação familiar, tais como, violência doméstica, maus tratos infantis, toxicodependência; doenças do foro psicológico ou mental e casos em que entre os pais não existe uma relação de igualdade e de respeito recíproco.
A Mediação familiar encontra-se regulada na lei portuguesa de forma genérica, mas está especialmente prevista na legislação que criou os Julgados de Paz e na lei relativa à Organização Tutelar de Menores, designadamente em matéria de regulação do exercício do poder paternal onde o artigo 147.º refere que “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal, oficiosamente, com o consentimento dos interessados, ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção dos serviços públicos ou privados de mediação”, cabe ao juiz homologar o acordo por via de mediação se este satisfizer o interesse do menor.
O recurso à mediação familiar tanto pode ocorrer antes do recurso aos tribunais, procedendo-se posteriormente à homologação judicial do acordo obtido, como pode ocorrer durante a pendência de um processo (haja ou não contestação/oposição). Neste último caso a instância judicial é suspensa por ocorrência de um motivo justificado e as partes são remetidas para a mediação familiar. Se as partes obtiverem um acordo, o juiz em princípio irá homologar, após parecer do Ministério Público, o acordo obtido. Caso não haja acordo, as partes voltam para Tribunal que exercerá os seus poderes de conciliação, prosseguindo os autos os seus termos legais. Obviamente, também será possível a intervenção da mediação judicial, após a decisão judicial ter sido proferida, prevenindo-se ou solucionando-se situações de incumprimento.
O Gabinete de Mediação Familiar que foi criado em 1997 abriu só em 1999 com uma competência territorial reduzida a qual em 2001 foi alargada aos concelhos da Área Metropolitana de Lisboa. Espera-se agora a criação de mais gabinetes em outras regiões do País. Ao Gabinete de Mediação Familiar compete, por via da mediação, proporcionar aos pais, em fase de separação e/ou divórcio, um contexto de negociação, garantir a continuidade do relacionamento entre pais e filhos, promover a co-parentalidade, contribuir para o cumprimento dos acordos relativos aos filhos e facilitar a comunicação entre os pais. Abrange assim os casos de pais com filhos menores que necessitem de proceder à regulação do exercício do poder paternal, sua alteração ou resolução de situações de incumprimento. Trata-se de um serviço gratuito e pode demorar entre 1 a 3 meses, conforme a complexidade de cada caso. São ainda atribuições deste gabinete a orientação, acompanhamento e promoção de estudos de investigação, acções de divulgação e de formação na área da mediação familiar.
O serviço de mediação assenta fundamentalmente nos princípios de “voluntariedade” (as partes devem ser livres de recorrer à mediação familiar assim como de desistir, a qualquer momento), de “imparcialidade” (o mediador é imparcial nas suas relações com os pais), de “consensualidade” (a finalidade de todo o processo é a obtenção de um acordo satisfatório para as partes), de “confidencialidade” (garantir o respeito pela vida íntima do casal tendo em conta que o que é discutido nas sessões de mediação não pode posteriormente ser usado ou divulgado salvo acordo das partes), de “celeridade”, (tentando que da forma mais breve possível se encontra uma solução), de “neutralidade” (o mediador é neutro quanto ao resultado do processo de mediação). Deve ainda ter um carácter de envolvimento pessoal (é às partes que compete participar, pessoalmente, sem prejuízo da assistência jurídica dos seus mandatários judiciais) de flexibilidade (a mediação deve ser ajustada a cada casal tendo em conta os seus desejos e o “timing” de cada um), de extrajudicialidade (a mediação pode dar-se antes de um processo judicial ou no seu decurso, desde que se suspenda a instância).
Finalizo, formulando o desejo que no âmbito da anunciada reforma do direito de família e de menores se crie e instale um Gabinete de Mediação Familiar na Região Autónoma da Madeira.
Texto publicado no Jornal da Madeira, de 13-10-2006 e postado no Blog Conflitos Familiares.
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