quarta-feira, agosto 02, 2006

A Informática nos Tribunais


Em Cem Anos de Solidão, Gabriel Garcia Márquez conta que, em Macondo, o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las precisava-se apontar para o dedo.
A informática nos Tribunais também é muito recente. Olhando para trás, colhe-se a nítida impressão que só nos finais da década de 90 se pode falar de verdadeiramente de informatização dos Tribunais. Acresce que só muito recentemente a utilização de programas informáticos adequados ao funcionamento dos tribunais passaram a ter nome.Durante a década de 80 diversos responsáveis governamentais da área da justiça tentaram introduzir a informática nos Tribunais, com muito pouco sucesso.
Durante a 1ª metade da década de 90 esta situação em pouco se alterou. A razão para este radica na incapacidade que os Serviços do Ministério da Justiça sempre demonstraram para fazer face à velocidade de inovação e à excessiva centralização dos poderes de decisão. Com efeito o processo de aquisição do material informático sempre foi demorado, o que faz com que os computadores chegam finalmente aos tribunais já são máquinas ultrapassadas, se não mesmo obsoletas.
Por outro lado, o panorama judiciário alterou-se de forma significativa nos últimos anos, apresentando exigências cada vez mais específicas e urgentes que só com uma utilização adequada da informática se pode responder eficazmente. De facto, as pendências processuais nos Tribunais aumentaram extraordinariamente, existindo tribunais em que esse aumento foi superior ao triplo.
Não obstante o que se acabou de referir, não se pode deixar de louvar as várias iniciativas jurídicas e judiciais que pouco a pouco começaram a ganhar terreno, impulsionadas por advogados e magistrados portugueses que com o advento da internet foram criando sítios jurídicos e a disponibilizarem os seus conteúdos na rede global. Estão neste círculo pioneiro os sites institucionais do Supremo Tribunal de Justiça; do Conselho Superior da Magistratura da Ordem dos Advogados, da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (todos em 1996), do Tribunal da Relação de Évora (1997), dos Tribunais da Relação do Porto e de Lisboa (1998) e da Relação de Lisboa (1999).
Mais recentemente há que mencionar outros sites institucionais como o do Gabinete de Documentação e Direito Comparado, Portal da Justiça, da DGSI e sites de natureza privada como os da Data Juris, Eur-Lex, Legslação Net, Lex Portugal, Verbo Jurídico e Portal Forense que fornecem autênticas bases de dados jurídicos e legais.
Paralelamente e sobretudo nos últimos anos regista-se ainda a proliferação de blogues.Nos últimos anos várias iniciativas entraram no quotidiano dos profissionais forenses (Juizes de Direito, Magistrados do Ministério Público, advogados, solicitadores e funcionários de justiça), como é o caso do:
- correio electrónico: é utilizado pelos tribunais para a recepção dos actuais processuais praticados pelos mandatários judiciais, devendo estes utilizar a respectiva assinatura digital.Os actos processuais praticados por correio electrónico ou telecópia podem ser em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais (cfr. artigo 143º, n.º 4 do C.P.C.).
- a plataforma Tribunais.Net - O Ministério da Justiça instalou nos Tribunais uma rede interna, que não serve apenas os Tribunais, mas igualmente os organismos dependentes do MJ. Actualmente, trata-se de uma ligação dos computadores dos funcionários, entre si, quer permite o envio automático de ofícios ou mandados para as secções do serviço externo, podendo tal ser efectuado igualmente pela Internet para outro Tribunal, nomeadamente para o cumprimento de cartas precatórias.
O habilus - Trata-se de um programa (software) que lhe permite aos oficiais de justiça a automatização da generalidade dos actos processuais. Simplificou em muito o trabalho dos oficiais de justiça com a padronização da maioria dos actos, designadamente dor formulários redigidos pela DGAJ com a automatização da distribuição, com a criação de bases de dados dos elementos identificativos de cada processo, seus intervenientes, residências e endereços de e-mail dos mandatários. É igualmente através deste sistema que é possível o acesso ao registo informático de execuções.
A principal crítica ao “habilus” radica no facto de muitos dos formulários existentes no “habilus” não conterem todos os elementos que devem constar da prática do acto, usando-se termos e conceitos inexistentes nas leis de processo ou confundindo-se com outras jurisdições ou ramos do direito o que no caso da jurisdição de família e menores é frequente tal acontecer.O acesso que os juízes têm ao “habilus” continua a ser limitado, permitindo apenas visualizar a estatística dos processos distribuídos ou pesquisar o estado (prática dos últimos actos) de um processo em concreto.Fala-se de um “habilus” adequado às funções dos magistrados. Porém, levantam-se grandes obstáculos de ordem técnica que têm a ver com a especificidade das suas funções.
Em 2003 foi criado o SITAF (Sistema Informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais) por força da Portaria n.º 1417/2003, de 30-12. Este diploma estabeleceu o regime de apresentação de peças processuais e documentos via electrónica, da tramitação informática e do tratamento digital dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal.Além das operações correspondentes ao habilus permite que os mandatários devidamente registados apresentem os articulados e documentos via electrónica, ficando assim dispensada a remessa ao Tribunais dos documentos em suporte de papel, salvo se o total de cópias exceder as 100 páginas. Relativamente aos demais documentos não passíveis de serem apresentados em suporte digital, foi dada a incumbência à secretaria para proceder à sua digitalização, dentro de determinados requisitos.Este programa é apontado como modelo para a implementação e desmaterialização dos Tribunais Judiciais.
Há alguns anos foi introduzido nos tribunais, o sistema de videoconferência, destinado, fundamentalmente, a permitir a inquirição de pessoas em tribunal diferente daquele onde decorre a audiência de julgamento.Fez-se uma publicidade enorme desta medida, com anúncios televisivos e cartazes que foram fixados nos átrios e corredores dos tribunais.Lembro-me ainda do anúncio em que uma actriz, fazendo de testemunha, conversava com um actor de cabelos grisalhos e com um beca vestida, através de um sistema de videoconferência de alta qualidade em que tudo o que diziam era claramente perceptível.Pois é, nem sempre o que parece é.
Hoje, a realidade é a seguinte: instalaram-se nos tribunais sistema de videoconferência, de má qualidade, com linhas telefónicas não adequadas para este tipo de ligação e com incompatibilidades entre si, que em muito contribuem para a ineficiência do sistema.
No IV Encontro Nacional sobre Tecnologia Aberta que teve lugar em 30 de Março de 2006, com a organização da Caixa Mágica, Adeti e Sybase, o Secretário de Estado da Justiça, João Tiago Silveira revelou a intenção de avançar com o Linius.
O Linius 2006 que é uma nova versão do sistema operativo Linius será uma versão disponível online num site do qual pode ser descarregado gratuitamente por todos os agentes ligados à justiça, estando ainda prevista a publicação do código fonte que só poderá ser utilizado por técnicos e académicos que o desejem.Foi ainda recentemente anunciador que todos os tribunais serão equipados com sistemas de videovigilância até 2009, um projecto que custará 3 milhões de euros e deverá ser financiado por fundos comunitários, segundo, fonte oficial do Ministério da Justiça. O sistema vai usar a rede informática do MJ e ficará ligado à central de alarmes da Direcção-Geral da Administração da Justiça. Este sistema vai permitir assegurar também, em muitos casos, a segurança das zonas envolventes aos tribunais.
Por fim, importa frisar que na Orgânica do Ministério da Justiça compete ao Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça assegurar a gestão dos sistema de informação, gerir a rede de comunicações da justiça, criar e manter as bases de dados de informação na área da justiça, prestar serviços a entidades públicas e privadas no domínio da informática, entre outras atribuições.
A finalizar o desejo sincero de que o sistema judicial consiga acompanhar de perto a velocidade de inovação de que a informática e as tecnologias são o exemplo mais paradigmático.
Publicado na Webzine do Nesi.

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