sexta-feira, junho 02, 2006

Órfãos por sentença de Paulo Moura

Artigo Publicado no Público, de 28-05-2006
Os casais divorciam-se. Não é bom. Nem mau. Acontece. Dão-se bem, casam-se, por vezes não têm filhos. Outras têm. Por vezes ficam juntos para sempre. Outras não. O amor pode desaparecer. Os rumos da vida podem deixar de ser duas linhas paralelas. Acontece.
Quando s divorciados não ficam logo amigos vão para tribunal. O juiz entrega então, quase invariavelmente, o filho à mãe. O pai fica praticamente impedido de o ver. É a chamada regra do "26-4": num mês, 26 dias para a mãe, quatro para o pai.
Se por acaso a mãe, movida por sentimentos menos nobres mas compreensíveis em períodos traumáticos, quiser impedir o pai de ver, contactar ou saber do filho, tem toda a solidariedade do tribunal. Se o pai, inconformado, tentar ver o filho, o for buscar à escola ou não o entregar à hora marcada, sofre sanções impostas pelo tribunal.
Se o pai se queixar, as suas queixas são ignoradas. Se o pai perder as estribeiras e aparecer intempestivamente para ver o filho, se tentar levá-lo sem autorização, a mãe, ou a escola, chama a Polícia, faz queixa ao tribunal e é atendida: em nome da estabilidade da criança, o pai sofre mais sanções, mais proibições de ver o filho. Se o pai enlouquecer de vez é impedido de ver o filho de vez.
Esqueçamos o pai. Um menino de cinco anos tinha mãe e pai. E avós, tios e primos, maternos e paternos. Era a sua família, a sua segurança, o seu mundo. De repente, sem perceber porquê, por ordem de um tribunal, é proibido de ver o pai, os avós, tios e primos.
O menino, a quem ainda não ensinaram Jurisprudência, não percebe porquê. Mas como também ainda não lhe ensinaram que os adultos nem sempre têm razão, tenta acreditar que o pai é mau. Se não tiver razões para acreditar nisso, acredita que o mal está nele próprio, por amar o pai.
Nada na lei portuguesa obriga a que os filhos de pais separados sejam entregues à guarda das mães. Nem que um pai seja dispensável para o seu desenvolvimento. Trata-se apenas de uma prática dos juízes.
Em todos os países civilizados, a prática é a atribuição da guarda conjunta. Quando os pais não se entendem, são obrigados a um processo de mediação familiar, com psicólogos especializados. Na maioria dos casos, funciona.
Em Portugal, os tribunais parecem querer defender uma moralidade social obsoleta e cruel. E a tratar-nos como párias, com direitos diminuídos, se nos desviamos dessa norma que já ninguém cumpre.
Os casais divorciam-se. As pessoas continuam a viver. Há novos tipos de família. Homens e mulheres são iguais perante a sociedade e a lei. As crianças têm direito a viver no melhor dos mundos.Há uma nova ordem. Os magistrados portugueses querem condená-la. Mas é preciso assumi-la. É preciso viver nela em paz.
Colocar os cidadãos em infracção permanente é a táctica das sociedades opressoras.Devemos acatar as leis, mesmo quando não concordamos com elas. Mas há limites. Quando os tribunais desrespeitam direitos fundamentais, como o de uma criança a ter uma mãe e um pai, há o direito à desobediência.Dir-se-á que em caso de conflito um tribunal tem de decidir, e não pode agradar às duas partes.
Mas a Inquisição também era um tribunal.
No futuro, os juízes que roubaram os pais a crianças serão considerados criminosos.

Resposta dada no blog: Dizpositivo.
Órfãos por Sentença» é o título do artigo de Paulo Moura publicado no Público de 28 de Maio último, na coluna «Do Outro Mundo». Aí escreve:

«Quando os divorciados não ficam logo amigos vão para tribunal. O juiz entrega então, quase invariavelmente, o filho à mãe. O pai fica praticamente impedido de o ver».
Mais adiante, "informa":
«Nada na lei portuguesa obriga a que os filhos de pais separados sejam entregues à guarda das mães. Nem que um pai seja dispensável para o seu desenvolvimento. Trata-se apenas de uma prática dos juízes. Em todos os países civilizados, a prática é a atribuição da guarda conjunta. Quando os pais não se entendem, são obrigados a um processo de mediação familiar, com psicólogos especializados».
Finalmente, conclui:
«No futuro, os juízes que roubaram os pais à crianças serão considerados criminosos».
A ideia transmitida pelo artigo, e que o seu autor magistralmente resume ao lançar sobre os juízes o anátema de estarem a roubar os pais às crianças, transformando-os em órfãos - vá-se lá saber se por perversa parcialidade em benefício da mãe ou por incapacidade de lidar com a dissolução do casamento, fenómeno desconhecido do juiz pessoa - é preocupante. Mas seria ainda mais preocupante se correspondesse à realidade. Felizmente, não é esse o caso. O articulista conhecerá uma realidade muito pessoal, mas não conhece, certamente, a lei e a realidade vivida diariamente nos tribunais por este país fora.
Ignoro - porque o articulista não esclarece - onde foi este recolher a informação segundo a qual «em todos os países civilizados a prática é a atribuição da guarda conjunta». Mas posso confirmar que é verdade que na lei portuguesa nada «obriga a que os filhos de pais separados sejam entregues à guarda das mães». Por outro lado, também sei que essa mesma lei, em caso de divórcio, apenas permite que o poder paternal seja exercido em comum, por ambos os progenitores, quando haja o acordo destes nesse sentido. Quando não se obtenha tal acordo, determina, ainda, a lei que «o tribunal decidirá de harmonia com o interesse do menor» a qual dos pais será confiada a sua guarda.Assim, se não há acordo dos progenitores na atribuição da guarda conjunta, não há juiz que possa impor a guarda conjunta do filho a ambos os pais.E também não há juiz que possa obrigar o pai e a mãe que não conseguem, a bem do filho, colocar de lado os ódios e ressentimentos acumulados, a recorrerem à mediação familiar: este modo alternativo de regulação de conflitos pressupõe necessariamente a adesão voluntária das partes.

Deixando de lado o mundo das leis, e falando da vida vivida, reconheço que é mais comum vermos a guarda da criança ser atribuída à mãe, como também é mais comum, ainda durante a pendência do casamento, vermos a mãe - ou a mãe e o pai, raramente só este - levar a criança ao pediatra, conhecer seu plano de vacinações, saber que roupa tem a criança e onde está guardada, comparecer na escola para inteirar-se da vida escolar do filho, enfim, toda uma série de questões "prosaicas" nas quais se desenvolve uma paternidade efectiva - sendo certo que os tribunais entendem que esta realidade sociológica, quando verificada no caso concreto de divórcio, não significa, por si só, que o pai não passará a ocupar-se de tais assuntos, se lhe for atribuída a guarda, sobretudo se ela apenas resultar de uma necessária distribuição de tarefas no seio do casal.Nos casos que tive entre mãos, não me recordo de alguma vez ter sido entregue a guarda da criança apenas ao pai. Mas também não me recordo, quando havia acordo entre progenitores, de um caso em que pai e mãe estivessem de acordo na entrega da guarda àquele, nem me recordo, nos casos que terminavam com sentença, de um caso em que o pai pretendesse para si a guarda da criança.
Se os números estatísticos indicam que a criança poucas vezes é confiada ao pai - em guarda exclusiva - , tal significa, antes do mais, que os pais - os pais, repito - não chegaram a acordo na guarda conjunta. Significa, ainda, que, na impossibilidade deste acordo, por muito que amem o seu filho e estejam dispostos a todos os sacrifícios por ele, muitos pais reconhecem que, no seu caso particular, a mãe tem maior aptidão para assegurar o poder paternal do filho - assim acontece com muita frequência no mundo rural. Significa, finalmente, e infelizmente - sobretudo porque os exemplos a que assisti são demasiados - , desinteresse do pai, cuja preocupação se reduz a pouco mais que discutir o montante da pensão de alimentos.Nos casos em que seja manifestado por ambos os progenitores o sério propósito de assegurar a guarda exclusiva do filho - digo sério propósito, pois não são raros os casos em que o progenitor em questão verbaliza que quer a guarda de um filho para, de imediato, revelar que o "depositará" na casa da avó... - , e que são uma esmagadora minoria, casos há em que, ponderados os interesses do caso concreto, se entende que a criança fica melhor entregue aos cuidados da mãe; outros, aos cuidados do pai.Se a criança poucas vezes é confiada ao pai - em guarda exclusiva - , tal não resulta, pois, «apenas de uma prática dos juízes».
Mas o raciocínio desenvolvido pelo articulista não oferece qualquer santuário ao juiz: não podendo ‘impor’ a guarda conjunta, pelas razões acima referidas, se atribui a guarda à mãe, ‘rouba’ o pai ao filho; se atribui a guarda ao pai, então ‘rouba’ a mãe ao filho.Dê por onde der, a conclusão é sempre a mesma: o juiz é que é o ‘ladrão’.
Publicado por A.L. no dia 1.6.06

Comentário: Subscrevo na integra a resposta dada no Dizpositivo, citando a este propósito o disposto no artigo 1906º, nº 1 do Código Civil: "Desde que obtido o acordo dos pais, o poder paternal é exercido em comum por ambos, decidindo as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoram para tal efeito na constância do matrimónio".
E se há paises como em Espanha em que o juiz por sentença pode fixar o exercício em comum do poder paternal, tal não acontece em Portugal. Aliás, segundo parece os resultados em Espanha não têm sido positivos, precisamente porque o exercício em comum do poder paternal só resulta se houver entendimento entre os pais.
Em breve irei escrever neste blog um artigo precisamente sobre este assunto, já que infelizmente existe na cabeça de algumas pessoas a ideia de que os tribunais privilegiam as mães, em casos de separação de facto ou divórcio em que haja filhos menores.

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