terça-feira, março 14, 2006

Mudanças no Código Penal

Gilberto terá sido assassinado por causa da sua orientação sexual. Antes de ser atirado para um poço onde apareceu morto, o transexual do Porto terá sido amordaçado, espancado e apedrejado. Do resultado da autópsia ficará a saber-se que tipo de crime ou crimes foram cometidos. Entre os mais prováveis, ofensas corporais agravadas pelo resultado (a morte), ocultação de cadáver ou homicídio qualificado. Este último é punido com a pena máxima que a legislação penal portuguesa prevê: 25 anos de prisão.
Nos casos de homicídio, cabe ao Tribunal definir quais as circunstâncias em que ocorreu o crime que podem ser consideradas agravantes. Se for homicídio simples, o crime é punido com pena de oito a 12 nos de prisão. Passa a homicídio qualificado, se tiver ocorrido com especial perversidade ou censurabilidade.
Uma definição que ficará facilitada no âmbito do novo Código Penal. Entre as alterações previstas, será alargado o leque de casos típicos que contam como agravantes do crime de homicídio, com destaque para o ódio racial, religioso, político ou gerado pela orientação sexual da vítima – discriminação que deverá estar por trás da morte de Gilberto.
O novo Código Penal vai considerar também como situação agravante os homicídios ocorridos no seio do casamento, entre uniões de facto e contra membros da comunidade escolar.
Estas são algumas de 90 alterações ao Código Penal que deverá entrar em vigor no mês de Julho. As alterações ficaram prontas ontem, na última reunião sobre este código da Unidade de Missão para a Reforma Penal, entidade criada pelo Governo para rever toda a legislação penal e criminal.
NOVOS CRIMES
O documento entrará em discussão pública ainda este mês, seguirá para Conselho de Ministros e depois para aprovação na Assembleia da República. Embora o espírito do novo código sejam as penas alternativas à prisão, visando aliviar as cadeias, o documento não deixa de criar novos crimes ou autonomizar os já existentes. É o caso da violência doméstica, do crime de incêndio florestal ou da prostituição de menores, ilícitos punidos ao abrigo de outra nomenclatura e que vão aparecer como crime autónomo.
A venda de criança com vista à adopção será penalizada e será criada uma pena acessória de suspensão de funções para os profissionais que trabalhem com de crianças ou adolescentes e sejam condenados por crimes sexuais com menores.
O novo código prevê ainda o arquivamento de processos de furto, abuso de confiança e dano se o agente do crime reparar o prejuízo.
EMPRESAS PASSAM A RESPONDER POR CRIMES
O novo código vai alargar o tipo de responsabilização penal das pessoas colectivas (por exemplo empresas e associações), até agora limitada aos crimes económicos. As empresas serão punidas quando se prove que são as causadoras do crime. Esta responsabilidade será assumida pelos seus líderes e existirá quando o crime for cometido em nome ou no interesse da pessoa colectiva, independentemente da responsabilização das pessoas singulares.
Pode ocorrer, por exemplo, quando causarem maus tratos ou infringirem as regras de segurança. No caso da Lusoponte, por exemplo, foram a tribunal responder criminalmente pela morte de duas crianças durante as obras da Ponte Vasco da Gama apenas engenheiros e responsáveis da obra.
Com as novas regras, a empresa também será responsabilizada. Passam também a ser sancionadas no âmbito de crimes de tráfico de pessoas, crimes sexuais contra menores ou discriminação racial.
APOSTA NAS ALTERNATIVAS À RECLUSÃO
No parte geral do projecto de revisão do Código Penal e além da responsabilização das pessoas colectivas, são de destacar as “novas penas substitutivas da prisão” e “reforço da existentes”. Entre as novas, encontra-se a prisão domiciliar, com pulseira, para penas até um ano ou dois em casos excepcionais), até aqui só aplicada na prisão preventiva. Fica também prevista a proibição de exercer função ou actividade profissional como alternativa a penas de prisão até três anos.
No campo do reforço das medidas já existentes, o trabalho a favor da comunidade que até aqui só podia substituir penas até um ano, torna-se extensível a penas até aos dois anos. No mesmo sentido caminha a suspensão de pena, que no actual código só é aplicável em penas até aos três anos e passa a ser extensível em penas até aos cinco anos de prisão.
PROCURADORIA DEIXA UNIDADE E VOLTA AO DIAPA
A procuradora-geral adjunta, Francisca Van Dunem, coordenadora do Departamento de Acção e Investigação Penal (DIAP), abandonou há duas semanas a Unidade de Missão para a Reforma Penal (UMRP), invocando “razões de serviço”.
Segundo adiantou ao CM fonte da UMRP, a magistrada do Ministério Público foi das “pessoas mais activas no trabalho efectuado”, não existindo motivos para suspeitar de eventuais motivos ocultos (como conflitos com outro membro) na origem da ‘baixa’. “Só quem desconheça o volume de trabalho no DIAP pode suspeitar do contrário”, avança a fonte.
SEGREDO DE JUSTIÇA RESTRINGIDO
Segundo a proposta revisão do Código Penal, o crime de violação do segredo de justiça, “actualmente comum”, é restringido, abrangendo apenas “quem contacte com o processo” (magistrados, advogados, polícias, funcionários e outros participantes processuais).
Porém, os “terceiros que divulguem elementos do processo” serão punidos (só) “se prejudicarem a investigação”.
Acontece que a definição de prejuízo da investigação inclui: a revelação antecipada de meios de prova ou obtenção de prova, medidas de coacção ou de garantia patrimonial (cauções?) e, as mais consensuais, identidade de testemunhas sob protecção ou de agentes encobertos. A pena mantém-se inalterada: prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES
HOMICÍDIO
COMO É
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a 16 anos. No entanto, se a morte for produzida em circunstâncias de especial censurabilidade ou perversidade, a punição varia entre 12 e 25 anos.
COMO VAI SER
Lei prevê novas agravantes para casos no seio de casamento, união de facto e de ódio à orientação sexual. O homicídio contra um membro de comunidade escolar também constará como agravante do crime.
VIOLAÇÃO COMO É
O crime de violação pune, com pena de prisão de três a dez anos, quem violar através de cópula, coito anal ou oral.
COMO VAI SER
Penetração com recurso a objectos passa a ser equiparada a qualquer forma de violação.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
COMO É
A violência doméstica é punida ao abrigo do crime de maus tratos (máximo de cinco anos de prisão). A pena é agravada se do crime resultarem ofensas à integridade física e/ou morte da vítima.
COMO VAI SER
Passa a crime autónomo e abrange uniões de facto. Penas mantêm-se. Prevê afastamento do agressor. Pena mínima agravada quando o crime é presenciado por menores ou ocorre no domicílio comum ou da vítima.
TRÁFICO DE PESSOAS
COMO É
Existe actualmente um crime de tráfico de pessoas que pune com prisão entre os dois e os oito anos quem aliciar, transportar, alojar ou propiciar a prostituição de estrangeiros.
COMO VAI SER
Punido com pena até 12 anos de prisão. Novas condutas são criminalizadas: comércio de crianças para adopção (um a cinco anos), ocultação de documentos das vítimas do tráfico (até três anos) e utilização desta (até cinco anos).
PORNOGRAFIA DE MENORES
COMO É
Quem utilizar menores de 14 anos em fotografia, filme ou gravações pornográficas é actualmente punido no âmbito do crime de abuso sexual de crianças com pena até três anos de prisão.
COMO VAI SER
Quem utilizar menores em espectáculos, fotografias ou filmes pornográficos e quem os aliciar para esse fim é punido com um a cinco anos de cadeia.
PROSTITUIÇÃO DE MENORES
COMO É
Até agora, é punido no âmbito do crime de lenocínio (favorecimento de prostituição), que abrange os actos sexuais com menor entre os 14 e os 16 anos. A prisão vai de seis meses a cinco anos.
COMO VAI SER
Quem pagar a prática sexual com menores entre os 14 e os 18 anos é punido com prisão até dois anos.
INCÊNDIO FLORESTAL
COMO É
Existe actualmente o crime de ‘Incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas’ que pune com um máximo de dez anos de prisão, se o crime constituir perigo para a vida ou para bens patrimoniais de valor elevado.
COMO VAI SER
O simples facto de incendiar, com dolo, será punido com prisão de um a oito anos. Se resultar perigo para a vida ou se houver benefício económico, a punição passará para três a 12 anos. Haverá agravantes consoante a área ardida.
CASOS CONCRETOS DE PROPOSTAS DE REVISÃO DO CÓDIGO PENAL AVANÇADAS PELA UNIDADE DE MISSÃO
INCÊNDIOS
O fenómeno cíclico dos fogos florestais levou à criação de um novo crime de incêndio, com pena de prisão de um a oito anos, haja ou não perigo de vida, integridade física e bens pessoais ou patrimoniais.
DISCRIMINAÇÃO
Por jurisprudência constitucional é eliminada a discriminação de actos homo ou heterossexuais com adolescentes, entre 14 e 16 anos, passando a ser sempre exigível o “abuso de inexperiência”.
PENETRAÇÃO
A penetração com objectos passa a ser equiparada às restantes formas de violação. Para reforço dos menores nos crimes sexuais são criados os crimes de pornografia e de actos sexuais remunerados.
ARQUIVAMENTO
É contemplado o arquivamento do processo em crime de furto ou abuso de confiança, mesmo que de valor elevado, desde que o autor repare o prejuízo causado. A ideia é a de proteger o interesse da vítima.
CPP E LEIS AVULSAS
Em funções desde Outubro, a Unidade de Missão apresenta agora a proposta de revisão do Código Penal, após o que se segue o Código Processo Penal, “ate ao Verão”, segundo Rui Pereira, e leis avulsas.

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