Fonte: Diário de Noticias, de 21-02-2006
Adiar a maternidade poderá deixar de ser um problema para as mulheres, acredita Carl Djerassi. A ciência, tal como lhes permitiu controlar a fertilidade, poderá ajudá-las a ser mães sem risco quando biologicamente isso é já um desafio e um problema.
Cada vez mais as mulheres adiam a maternidade. O que é possível graças à pílula. Mas isto levanta o problema crescente das gravidezes de risco. O que pensa desta situação?
Biologicamente, a mulher deveria ter filhos aos 18 ou 20 anos e ir para a universidade depois. Mas a vida não é assim e elas acabam por ter que escolher entre ser mães ou terem uma profissão. A maior contribuição da pílula foi tornar possível a independência das mulheres, tornando possível o sexo sem reprodução. A fertilização in vitro (FIV) permite o reverso: reprodução sem sexo. Essa separação já se tornou comum: o sexo é para o amor, curiosidade, divertimento. Mas não para reprodução.
Mas adiar a maternidade pode trazer outros problemas...
Exacto. E não só de fertilidade, mas também problemas genéticos. É por isso que as grávidas com mais de 35 anos fazem amniocenteses, para, em caso de problema, poderem abortar. Mas com os métodos de FIV, é possível ao fim de três dias analisar o embrião, para ver se tem algum problema. Ou seja, antes de ser implantado no útero da mulher. O aborto deixa de ser uma questão. Penso que a FIV pode ser a solução para as mulheres que adiam a maternidade por razões profissionais.
Portanto, o futuro será o de filhos sem sexo, mesmo que não haja problemas de infertilidade?
Sim. Não para todas, mas para algumas. Dentro de 10 a 20 anos, pessoas sem problemas de infertilidade irão usar os métodos de FIV e serão quase exclusivamente mulheres a tomar essa decisão. Por outro lado, temos ainda o facto de a mulher já nascer com um determinado número de óvulos, enquanto o homem está continuamente a produzir espermatozóides. Quando uma mulher tem 35 anos, perdeu 95% dos seus óvulos. E os restantes estão a envelhecer rapidamente. Num futuro próximo, as mulheres poderão colher óvulos aos 20 anos para congelar. Ainda não é possível, mas há muita investigação. Assim, uma mulher poderá guardá-los e ter filhos aos 40 ou 45. Elas têm de ter opção, como os homens. Se um homem de 50 anos tem um filho, tudo bem, mas se for uma mulher...
Isso não é desafiar a natureza?
Sim. Estamos a saltar etapas do processo da evolução. Mas não será o que estamos a fazer com as pessoas inférteis? É possível tratar agora casos de extrema infertilidade, como é o caso dos homens sem espermatozóides.
Mas os filhos desses homens serão igualmente inférteis...
Exacto. Poderíamos dizer a quem sofre de infertilidade que há normalmente boas razões biológicas para não ter filhos. Por exemplo, as pessoas com esclerose múltipla têm graves problemas de infertilidade. Talvez seja um mecanismo da evolução destinado a travar a disseminação da doença. Mas vão dizer isso aos pais... Os Estados acreditam que podem legislar essas matérias. Mas eu não. O sexo e a reprodução são as coisas mais íntimas e as pessoas fazem as suas próprias decisões. Proibir só leva ao turismo médico e isso não é uma resposta ao problema.
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