sexta-feira, setembro 15, 2006

“A ineficiência do nosso processo penal é notória quanto à grande criminalidade”

Entrevista do Dr. Paulo Gouveia, Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal ao jornal Tribuna da Madeira.

Para Paulo Gouveia, um processo penal só é eficiente se, sem desperdiçar meios, for capaz de ter sucesso contra a criminalidade organizada e de colarinho branco

Quanto à não inclusão do combate à corrupção no pacto PS/PSD para a justiça, o juíz considera-a irrelevante “se a polícia passar a ter já os meios científicos e humanos especializados para investigar esse tipo de criminalidade complexa”.

Tribuna - O presidente do Conselho Distrital da Madeira da Ordem dos Advogados disse recentemente que os principais problemas da justiça portuguesa são os atrasos profundos na acção executiva e o Código Penal. Concorda?

Paulo Gouveia - Entendo que os principais problemas da justiça portuguesa são os atrasos profundos na acção executiva e o processo penal, a que acrescento o excesso de litigância nos tribunais de família e menores. Quanto à acção executiva, a pedra de toque da justiça cível, o que se passa é fruto da incompetência do legislador e dos poucos meios que o Governo dá aos tribunais.

Quanto à área penal e como venho dizendo há mais de 10 anos, a fiscalização externa é real quanto aos actos dos juízes (normalmente públicos e face a duas partes) mas é quase nula quanto aos actos dos magistrados agentes do Ministério Público (normalmente secretos e sem contraditório), a que acresce o apagamento do papel dos juízes e dos advogados no processo penal desde 1987. A culpa é do legislador das décadas de 1980 e 1990, das maiorias PS e PSD.

A ineficiência do nosso processo penal é notória quanto à grande criminalidade. Gastam-se muitos meios humanos e financeiros nos inquéritos criminais, mas os resultados nada de especial têm: como se sabe, a economia paralela é grande e os casos difíceis são muito pouco fortes quando chegam ao fim dos inquéritos ou ao julgamento, sobretudo quando o acusado não é uma pessoa simples.

Tribuna - A que se deve a ineficiência do processo penal em relação à grande criminalidade? Essa falta de resultados poderá indiciar que, afinal, a justiça não é cega? Isso também acontece na Madeira?

PG - Um processo penal só é eficiente se, sem desperdiçar meios, for capaz de ter sucesso contra a criminalidade organizada e contra a de colarinho branco, que minam a economia e o Estado. O diagnóstico é pacífico e abrange todo o país.

Sobre ele têm escrito muitos juristas portugueses de todas as áreas de pensamento, como Marcelo Rebelo de Sousa, Garcia Pereira, Freitas do Amaral, Jorge Sampaio e Rui Pereira.

A principal causa é a falta de meios das polícias quanto à criminalidade de colarinho branco, a que se pode acrescentar o facto frequente de o Ministério Público não ser representado em julgamento pela pessoa que fez a acusação e a falta de fiscalização externa à eficiência de cada departamento do MP. Também releva o apagamento do papel do advogado e do juiz no processo penal.

“Criar um tribunal de instrução criminal por cada círculo judicial”.

Tribuna - A alteração do mapa judicial da Região também tem sido um tema na ordem do dia. Qual é a sua posição relativamente a esta matéria?

PG - Não discordo muito do actual mapa judiciário regional, embora reconheça que o município de Câmara de Lobos coloca algumas dificuldades em certas áreas. Penso que, a haver alteração, deverá ser quanto a esse município e quanto à criação em Portugal, Funchal incluído, da figura do tribunal de instrução criminal por cada círculo judicial, devendo o juiz de instrução criminal ser sempre um juiz experiente. Trata-se, afinal, de tentar fiscalizar a acusação criminal ou o arquivamento do inquérito feitos pelo Ministério Público, tudo em sede de direitos fundamentais.

Tribuna - Como analisa a “guerra” declarada pelo Governo Central à corrupção desportiva, com o recente anúncio de um projecto de proposta de lei elaborado pela Unidade de Missão para a Reforma Penal, que prevê que clubes e associações desportivas passem a responder na justiça por crimes de falseamento de resultados e corrupção?

PG - Concordo, como é evidente, e é algo normal. Ao criminalizar directamente as actuações de entidades colectivas, em vez de serem apenas as pessoas singulares, previne-se o crime e atinge-se uma entidade que serve como “desculpa” para as actividades ilegais.

Tribuna - Qual é a situação da Madeira nesse âmbito?

PG - Só a polícia e o Ministério Público sabem isso, porque é esse o seu dever.

Tribuna - Relativamente ao pacto PS/PSD para a justiça, que opinião tem em relação ao facto de o combate à corrupção ter ficado de fora?

PG - Isso será irrelevante se a polícia passar a ter já os meios científicos e humanos especializados para investigar esse tipo de criminalidade complexa.

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